Um Natal diferente - cap. 3
No sonho, Moedinha dizia-lhe que ainda era tempo de ser feliz e que esta felicidade morava nos casebres de Vila Esperança.
Juvenal acordou surpreso e intrigado.
- O Moedinha depois de tantos anos? Por que? Indagava-se
E Vila Esperança? Mas o que aquele lugar poderia ter para fazê-lo feliz. Nos tempos em que lá morava nunca fora feliz!
O que Juvenal não sabia é que não são os lugares, as coisas ou as circunstâncias que nos fazem felizes, mas a maneira como somos capazes de vivê-las.
Assim, impelido pela curiosidade que se acendeu nele, Juvenal demandou o antigo bairro.
Quando adentrou na rua, percebeu algo diferente. Continuava um lugar simples, modesto, as casas humildes, mas o descuido e o abandono de antigamente davam lugar a um aspecto de limpeza, de cuidados. Os canteiros com flores de muitas cores, as ruas com bancos pintados à sombra dos cajueiros floridos e, até na fisionomia das pessoas, lia-se paz e felicidade.
Logo Juvenal descobriu o segredo de Vila Esperança. Seu nome era Isabel, uma senhora de voz calma, gestos serenos e a fisionomia que denotava uma energia férrea. Era ela a mentora da transformação que ele presenciava.
Fundara ali um pequeno grupo de aprendizes do Evangelho, chamavam de “Centro Espírita" e esse grupo passou a influir na comunidade, fazendo germinar a Lei de Solidariedade.
Os princípios da Doutrina Espírita vivenciados entre os frequentadores da “Casa de Jesus”, este o nome que se lia na frente da pequena construção, que abrigava a instituição, foram se estendendo à convivência diária da Vila.
A alma carente de Juvenal aderiu àquela ideia. Adquiriu uma pequena casa e voltou à Vila Esperança.
Ali todos cuidavam de todos. Todos precisavam de cada um. E o novo morador logo percebeu o quanto podia ser útil. Dona Isabel sempre tinha muitos atendimentos, quer materiais, quer espirituais para fazer e necessitava de auxílio constante. Ele, também, experimentou a fraternidade e o amparo daquelas pessoas simples, que um dia chegara a desprezar. Quando Laura entrava em crise os vizinhos se revezavam incansáveis para auxiliá-lo.
Juvenal tornou-se um colaborador assíduo do centro espírita, nas horas vagas, pois voltara a exercer o ofício antigo. Abrira uma pequena oficina que prosperava rápido, graças a sua eficiência.
Os meses corriam céleres e chegou o Natal. O nosso protagonista nem percebera que já era dezembro.
Vila Esperança organizava uma grande festa para a comunidade, especialmente para os mais necessitados, materialmente.
Cada família, com melhores condições financeiras, adotara uma ou mais, que estivesse sem emprego ou em maiores dificuldades como doenças, enfim.
A união de todos resultou numa mesa farta, com distribuição de brinquedos a todas as crianças.
Naqueles dias, Laurinha entrou em crise. E foi internada. Na antevéspera do Natal, Juvenal passara a noite com ela. Tão logo chegou do Hospital, assim que duas amigas da Vila chegaram para que ele fosse para casa descansar um pouco, foi para a rua onde os moradores preparavam a ceia da noite de Natal.
Trabalhou o dia todo e a noite, quando a rua se encheu da alegria das crianças, que de olhinhos brilhantes abraçavam seus brinquedos com uma dádiva muito cara, ele chorou de alegria.
Estava feliz! A despeito de tudo o que lhe acontecera, mesmo com a doença de Laura, a distância dos demais familiares ele experimentava no coração um sentimento diferente, bem diferente dos outros Natais que já passara.
Soava dentro de si uma melodia desconhecida para ele: a balada do amor, em notas cálidas. Ele era feliz, pois fora capaz de proporcionar alegria a tantas criaturas, que talvez naquela noite, não fossem as doações de tantas almas que venceram o egoísmo, estivessem a dormir sobre a decepção e a dor de passarem um Natal, esquecidos, sem esperança, sem o perfume da caridade em suas vidas.
Sempre dera algo para as pessoas, fazia isso até para aplacar a consciência, mas era maquinal. Hoje não. Ele colocara em cada detalhe o carinho e a atenção para com cada uma daquelas pessoas.
Juvenal ergueu os olhos ao infinito e balbuciou uma prece a Deus pela lição que a vida lhe trouxera. As lágrimas banharam-lhe o rosto. Eram lágrimas de reconforto.
Foi com os olhos nublados que ele viu, entre os garotos que se espalhavam pela rua, a figura do Moedinha, sorrindo, acenando-lhe com um jeito maroto.
Juvenal correu ao encontro do menino que se divertia em fugir dele. Quando o alcançou, segurou-o pelo braço. O garotinho se voltou assustado, sem entender porque Juvenal estava ali agarrando-o.
- O que eu fiz tio? Perguntava-lhe o pequeno Pedrinho, querendo choramingar.
Juvenal abriu um sorrido largo e abraçou a criança, estreitando-a contra o peito.
Moedinha não estava ali, pensou, mas havia dezenas de garotos como ele a quem ele poderia dar o seu carinho sempre que quisessem.
Saulo.