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Meu amigo Toninho


Na tarde fria de inverno fronteiriço, o sol brilhava forte, em um esforço hercúleo para sobrepor-se ao “minuano” gélido que varre os pampas nessa época do ano. Iniciara-se mais um encontro da evangelização da juventude no Centro Espírita. Os jovens preparavam-se para um trabalho assistencial na “Vila Miséria”, assim era conhecida a grande ocupação na periferia da cidade. A primeira providência tomada pelo Henrique, um dos nossos evangelizandos, logo após a primeira visitação que fizemos ao local, foi cunhar uma placa para trocar o nome daquele lugar, conferindo um pouco de dignidade aos seus moradores: “Núcleo Alvorada Nova”. A partir de então, assim seria conhecida a nossa vila.

Quando iniciamos a prece, percebi que um jovem desencarnado adentrou ao nosso salão, conduzido por dois Espíritos que tinham a aparência de enfermeiros. Denotava ter aproximadamente 15 anos. Cabelos louros cacheados, olhos claros, tristes, o rosto ainda trazendo as marcas da acne. Durante a prece fui sendo informada da situação daquela alma. Era um jovem suicida, que sucumbira ao peso de uma depressão grave.

A princípio, confesso que fiquei atemorizada. Um suicida convivendo com os meus evangelizandos? Quase que de imediato, percebi a presença de um dos Espíritos responsáveis pela educação da minha faculdade mediúnica a dizer:

- Atente que ele também é um dos seus evangelizandos, e doravante nós o traremos para os encontros da evangelização.

- Você não quer ajudá-lo? Arrematou o benfeitor espiritual.

Meu coração maternal se rendeu. Dali em diante, passei a amar o Toninho, esse era o seu nome. Via-o sempre nos nossos encontros, atento, interessado e doutras vezes, nas reuniões mediúnicas, onde era tratado para a recomposição dos danos causados pelo suicídio no seu perispírito.

Revelou-me ter nascido na Cidade de Piquete, Estado de São Paulo. Experimentara, por curiosidade, em um acampamento com os colegas, um “baseado” e isto causou-lhe tal dano psicológico que o mergulhou num quadro depressivo profundo, que culminou com o suicídio.

Filho de um militar de alta patente do Exército, não teve por parte dos genitores o apoio necessário para vencer a enfermidade, pois, à época, a depressão era pouco estudada e compreendida, sendo vista por muitos como rebeldia, preguiça, ingratidão e outros qualificativos equivocados.

Na coleção de armas do pai, Toninho buscou o alívio enganoso para as suas dores.

Por, aproximadamente, dois anos ele esteve conosco no grupo, sem que os meninos o percebessem, sem causar qualquer tipo de interferência fluídica. Quando se despediu de mim, os seus olhos tinham um brilho diferente, já se acostumara a rir, juntamente com os demais jovens, nas suas conversas e brincadeiras,e demonstrava um entendimento profundo das realidades espirituais, pois embora tenha sido jovem católico na última existência, as noções da vida futura e da imortalidade se ampliaram consideravelmente para ele durante as aulas de evangelização.

Revelou-se um poeta, o Toninho, deixando-nos essas rimas que ora compartilho com os leitores.

O que fiz da minha vida!?

Rolei do abismo ao fundo

Escolhi estranha porta

Para deixar este mundo.

Pensei ter chegado ao fim,

Ao nada, ao esquecimento

E fui lançado sem dó,

Nos braços do sofrimento

Vi meu corpo corroído,

Servi aos vermes de pasto!

Errei, sofri e chorei

Sorvendo o amargor nefasto.

Revel, sou um triste réprobo,

Feri sem dó, nem piedade!

Derroguei a lei divina

Abusei da liberdade!

Sinto queimar minha alma,

Sou hoje arrependimento,

Buscando um pouco de alívio

Para acalmar meu tormento.

Ninguém ceda ao desespero

Amem! Protejam a Vida!

Para não sofrer as dores

Deste infeliz suicida.

Uma terça-feira, dia 01 de agosto de 1989

Passaram-se muitos anos sem que eu tivesse notícias dele. Achava mesmo que já estaria reencarnado. Foi na CONJERGS – Confraternização das Juventudes Espírita do Rio Grande do Sul - em Tramandaí, RS, no ano de 2009, quando visitávamos as dependências, que acolheriam o evento, que ele se aproximou. Abraçou-me e disse:

-Tenho trabalhado bastante para que os jovens não tomem o mesmo caminho doloroso que trilhei, “Tia Bê.”

- Estou coordenando um grupo de jovens suicidas que virão para ser tratados nesse encontro. Depois estarei pronto para renascer e retomar as lutas que abandonei.

Conto a história do Toninho para que os evangelizadores comprovem a extensão da sua tarefa. Não evangelizamos apenas na Terra, mas também na Espiritualidade.

Evangelização é tarefa bendita que une os dois mundos.

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