Spinelli vem para o Brasil
O sono começava a fazer pesar as suas pálpebras. Era tarde e o dia fora de intenso trabalho. Procuravam reunir as poucas coisas que levariam na viagem para a nova vida.
Não sabiam o que os esperava além-mar. Não tinham noção precisa da jornada que enfrentariam até chegar ao Brasil.
Com sua determinação e coragem Dona Amália informara aos filhos que conseguira reunir o dinheiro para as três passagens e que estava decidida a ir encontrar o pai deles, que não dava notícias, desde que se fora em busca de fortuna. Estava assim, a mãe de Francisco, decidida a reunir a sua família. Quantas vezes ele surpreendia as lágrimas silenciosas e doridas banhando o rosto daquela mulher forte, que se dedicara a cuidar dos filhos, enfrentando com nobreza a solidão e a responsabilidade por eles que ficaram com ela.
Não raro, a avó, os demais familiares maternos, os vizinho e amigos buscavam demovê-la da espera, aventando a possibilidade da morte do marido, em face da prolongada falta de notícias, recomendando-lhe um novo consórcio, diante da situação de abandono em que ficaram. Dona Amália sempre se recusou a ouvir tais sugestões e, no seu coração resoluto, afirmava que um dia partiriam para unirem-se outra vez, com o afeto querido os havia precedido na ida para a América.
Francisco fechou o livro, todo marcado pelo sebo das velas surrupiadas aos pacotes da avó, apagou-a e guardou o toco fumegante para as futuras leituras às escondidas, nas noites seguintes.
O sono se intensificava. Preparou-se para dormir quando percebeu ao lado da cama, um vulto que lhe era familiar. Sonhava com ele seguidamente e confabulava em sonho. Sua fisionomia serena e forte lembrava o Padre com quem a sua mãe conversava e confessava na igreja consagrada a Santo Antônio. Mas ele não trazia as vestes ou as insígnias do clero. Parecia-se mais com um médico. O casaco alinhado deixava ver os punhos muito alvos da camisa. Os bigodes e a barba bem cuidados conferiam dignidade e nobreza a sua presença.
Sentado aos pés do leito onde Francisco se recolhia fitou-o bondosamente e, pela primeira vez, o rapazinho percebeu que todos os encontros ocorridos nos sonhos tinham como objetivo prepará-lo para a viagem que se anunciava. Não sabia como, mas teve certeza. Ele não precisou de palavras, apenas um entendimento estabelecido entre as duas mentes.
Ouviu-o dizer:
Francisco, há uma igreja para construir na América e um largo trato de terra produtiva que aguarda pelo seareiro.
Vai e não olha para trás. Aqui recolheste o sedimento que te dará forças para auxiliares na construção do novo mundo.
Muito tempo depois, identifiquei que aquele venerável homem era Bezerra de Menezes e compreendi, com o passar dos anos, qual a igreja a qual ele se referia.
Foram dias felizes aqueles em que a comunidade espírita foi sendo edificada com as forças de cada um daqueles Espíritos endividados, como eu, que vieram resgatar na Pátria do Evangelho o seu compromisso com o Cristo.
O largo trato de terra produtiva que nos somamos para adubar com as lágrimas da primeira hora prossegue requisitando-lhes a rega com o suor do trabalho incessante para que os frutos do Evangelho se multipliquem, saciando as almas deles necessitadas.
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Quando subiram a bordo do navio que os traria da Itália, Francisco lembrou dos sonhos que tivera e imaginava lavouras físicas, matas a serem derribadas, templos de pedra para construir. Pouco a pouco foi sendo esclarecido pela luz do Consolador, sobre as verdadeiras construções para as quais o Mestre Jesus requisitou-lhe o trabalho e foi fortalecendo a vontade e a determinação para a entrega da sua vida ao labor na seara do Cristo.
O abandono do pai, banhado pelas lágrimas da genitora, assistido pela energia rígida da avó, repassado pelas necessidades materiais de toda ordem, somadas ao desterro que se impôs à família, formaram a argamassa que estruturou o amor que se estabeleceu naquele coração pela amada terra do Brasil – A Pátria do Evangelho.