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Necessária transição


O Império estava em seus estertores.

O velho imperador, recolhido na vastidão da majestosa serra de Petrópolis, buscava forças no coração para despedir-se da terra que amava tanto e deixar para trás as imagens queridas da sua infância, juventude, enfim... de uma vida inteira que ora tomava outro rumo: o exílio.

Da janela do gabinete de trabalho, após o último despacho, seus olhos buscavam os contornos bem traçados das montanhas e vales que se estendiam a perder de vista, indo ao encontro do firmamento que os raios do sol poente pincelavam em muitos matizes de escarlate.

Limpou a lágrima furtiva com o dorso da mão e deixou-se ficar apoiado no largo parapeito até que as primeiras estrelas espiassem do alto e a lufada de ar fresco anunciasse que o dia findara.

Não havia em seu coração qualquer pesar pela perda da coroa e do cetro, que sempre foram apenas a lembrança de um dever sagrado a cumprir para com o seu povo amado.

Há algum tempo sentia que chegava a hora de partir, a fim de que novos tempos começassem para o seu querido Brasil.

Era a saudade, apenas saudade.

Sabia que deveria cruzar o mar e despedir-se da terra das palmeiras, deixando o convívio com aquele povo acolhedor que o amara e respeitara como a um pai.

Era a saudade da cor do mar, da pujança das matas, da rica diversidade das espécies da fauna, da flora e de tudo o quanto o Brasil se traduzia para a sua alma tão grata à terra que acolheu seus antepassados e na qual nascera.

As mentes que norteavam a opinião das elites clamavam pela República. Era o tempo das decisões republicanas que se alastravam pelo mundo.

O venerável ancião também acalentava, no âmago da sua consciência, de forma inconfessável pela sua condição de soberano, convicção de que as coroas não mais de amoldavam aos novos tempos. Porém, ele sabia que os homens que pleiteavam o poder não estavam maduros para fazer do novel regime uma fonte de felicidade e prosperidade para a nação.

Isto o amargurava. Mesmo nos limites impostos por uma monarquia ele fizera tudo para o bem dos seus súditos. Mas e agora? Como seria a condução dos interesses comuns em mãos dos militares e dos políticos que os apoiavam?

Pedro sentia que o seu coração estava opresso diante de tamanhas indagações, que restaram sem respostas.

Estava imerso em suas reflexões que nem percebeu o vulto pequeno e silencioso de Isabel, a filha amada, que notando a sua ausência no sarau doméstico, usual antes do repasto vespertino, saiu a sua procura.

- Pai! A princesa aproximou-se colocado a mão no braço do Imperador, que continuava apoiado na janela do gabinete.

Pedro voltou-se para ela que percebeu o brilho das lágrimas que perolavam a face do genitor.

- Temos que partir, filha!

- Sim, meu Pai, eu bem o sei.

- Aflige-me saber que deixarei um menino a mercê de tutores, nos quais eu não confio. Sim, o nosso Brasil é um menino que cresceu feliz, mas que seguirá, doravante, sem o nosso cuidado.

Isabel abraçou o pai, repousando a cabeça naquele peito que abrigava grandes e contraditórios sentimentos.

- Pense, meu Imperador, que também menino ficaste aqui, quando meu avô teve que voltar a Portugal e que a despeito de todas as lutas e da solidão te tornaste um grande e sábio líder para o nosso povo.

Pedro admirou-se da sabedoria daquela alma que ele amava e respeitava tanto e que Deus lhe dera por filha - a princesa Isabel.

- Tens razão minha filha! O nosso menino é forte e no futuro será também um grande líder, reconhecido pelo mundo, anda que sobrevenham lutas e dores ele triunfará.

Os acordes da harpa invadiram os cômodos do Palácio, enquanto Dom Pedro II e Isabel encaminhavam-se, vagarosamente, para a Sala de Música carregando consigo o fardo da saudade, que se tornava leve pela certeza do dever cumprido.

Pouco dias depois eles foram embarcados às pressas para o exílio e o “menino” cresceu, prossegue forte, varonil, enfrentando as suas lutas.

Ditado pelo Espírito Joaquim Nabuco

Família Real na véspera da partida para o exílio.

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