Legenda Luminosa
Talvez, uma das obras de Allan Kardec onde mais possamos extrair lições diretas de liderança e de união para os nossos estudos e vivências no movimento espírita seja o livro Viagem Espírita em 1862. Nesta magistral obra, o mestre lionês registra suas impressões, vivências e fatos pertinentes a uma de suas viagens ao encontro do movimento espírita nascente que, por oportuno, lhe solicitava a presença e a palavra orientadora.
Com base no que anota o tradutor para a edição da Federação Espírita Brasileira, o confrade Noleto Bezerra, A Viagem Espírita em 1862 era uma das cinco viagens realizadas pelo mestre, ocorrida durante as férias de verão da Sociedade Espírita de Paris, para visitar sociedades do interior da França e na Bélgica. Nesse tentame, Kardec se deslocou em torno de 3.345,83 km, objetivando visitar mais ou menos vinte cidades.
Nas páginas iniciais desta obra de Allan Kardec encontramos duas máximas ensinadas pelos Espíritos Superiores, uma mais geral e outra decorrente daquela. Destaca o codificador: “Fora da caridade não há salvação. Fora da caridade não há verdadeiros espíritas.”[1]
Essa última máxima é referida em O Evangelho segundo o Espiritismo e, também, no opúsculo O Espiritismo em sua mais simples expressão. Neste último, Kardec chega a dizer que “Com a verdadeira caridade, tal como a ensinou e praticou o Cristo, não mais o egoísmo, o orgulho, o ódio, a inveja, a maledicência; não mais o apego desordenado aos bens deste mundo. É por isso que o Espiritismo cristão tem como máxima: FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO.” Vejamos que a caridade é compreendida, desde então, como antítese de nossas imperfeições, enraizadas no egoísmo e, sem caridade, não há espírita de verdade.
Máxima é uma expressão filosófica importante sobre a qual não devemos passar apressadamente, ainda mais sendo o Espiritismo uma Filosofia também. Em bom dicionário depreendemos que a palavra máxima se refere a um pensamento filosófico de formulação concisa que contém um preceito moral, como também, um princípio que pretende orientar a conduta.
Todavia, quando Kardec, com base no ensinamento dos Espíritos, dá um sentido prático ao dever moral de todo o espírita, a caridade, apresenta-a como a garantia de um estado de paz de consciência na vida futura, correspondente à ideia de salvação, mas de forma liberta das fantasias teológicas do passado.
Emmanuel, com a propriedade que guarda de estudioso das escrituras, teve ensejo de esclarecer o termo salvação no contexto bíblico a luz do Consolador:
Dentro das claridades espirituais que o Consolador vem espalhando nos bastidores religiosos e filosóficos do mundo, temos de traduzir o conceito de salvação por iluminação de si mesma, a caminho das mais elevadas aquisições e realizações no Infinito.[2]
Logo, salvação da alma é iluminação, quer dizer, estado moral de esclarecimento espiritual vivido, sabedoria apreendida, sinal de coração alinhado em profundidade com os ditames do Evangelho e, por consequência, estado de felicidade na vida futura.
Assim, não há iluminação sem caridade, não há pacificação de consciência sem esse dever moral ter sido atendido. Mas, a Doutrina dos Espíritos amplia o conceito para além das doações materiais. De fato, dá-lhe um entendimento moral que acena para a transformação em ato de algumas virtudes que todos, por herança divina, possuímos em potência: “Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros, perdão das ofensas.”[3]
Desta forma, seguindo a lógica kardequiana, se fora da caridade não há salvação e sem caridade não há verdadeiros espíritas, podemos dizer que sem o exercício da benevolência, do perdão ou da indulgência não fazemos jus à designação de verdadeiros espíritas. Esta deve ser uma meta a perseguir, tendo em vista não somente o estado de iluminação aqui e além, que lhe é consequência, mas, pela coerência entre o que estudamos e o que fazemos.
Para essa compreensão tríplice da caridade encontramos terreno de aplicação na vida prática, moldando nossa natureza moral ao sabor dessas três virtudes e, no exercício destas disposições morais para o bem, vamos forjando o caráter espírita em nossas vidas.
Cada Espírito é um mundo de diferença e a convivência é um laboratório extraordinário de aprendizagem da caridade e, esta, ao ser vivida, é o que dá percebermos o quanto internalizamos os ensinos do Mestre.
O exercício da caridade em seu tríplice aspecto demanda um olhar diferenciado sobre o outro. A perspectiva moral com que miramos o próximo é o que define nossa atitude para com ele, mergulhada na caridade ou não. Quer dizer, se o nosso olhar não é benevolente, indulgente e misericordioso, não há em nós caridade apreendida ainda, não agiremos com caridade, no máximo civilidade.
O benfeitor Emmanuel nos ensina, em bela mensagem do livro “Viajor”, como deve se caracterizar esse olhar em relação ao outro:
“Busquemos algo do olhar de Jesus para nossos olhos e a crítica será definitivamente banida do mundo de nossas consciência, porque, então teremos atingido o Grande Entendimento que nos fará discernir em cada companheiro do caminho, ainda mesmo quando nos mais inquietantes espinheiros do mal, um irmão nosso, necessitado, antes de tudo, de nosso auxílio e de nossa compaixão.”
Nesta breve recomendação encontramos oportuna exemplificação da legenda de luz preconizada pela Doutrina Espírita, outrora destacada assertivamente por Paulo quando nos diz: “A caridade é a plenitude da lei.[4]
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
[1] KARDEC, Allan. Viagem Espírita em 1862. Trad. Evandro N. Bezerra. 2. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2007, p. 3.
[2] XAVIER, Francisco Cândido. O Consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 22. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2000, p. 135.
[3] KARDEC, ALLAN. O Livro dos Espíritos . trad. Bezerra, Evandro Noleto. FEB - Edicei of America. Edição do Kindle. (Locais do Kindle 15527-15534). questão 886.
[4] Bezerra, Evandro Noleto; Allan Kardec. O Livro dos Espíritos . FEB - Edicei of America. Edição do Kindle.
Romanos 13: 8-10.