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Páscoa e nós


“Ao ouvirem ‘ressurreição dos mortos’, uns zombaram e outros disseram: A respeito disso te ouviremos também outra vez” - Atos 17:32

A imagem do Mestre redivivo após o terceiro dia de sua morte infame na cruz ficou gravado na memória de todos aqueles que presenciaram tal fato. A dúvida, porém, surgiu ainda no domingo de Páscoa.

Tomé afirmou que “Se {eu} não vir em suas mãos a marca dos cravos, {não} puser o meu dedo na marca dos cravos e {não} puser a minha mão em sua pleura, não crerei”[1].

Impressiona partir de Tomé a incredulidade diante da afirmação dos demais apóstolos no sentido de que haviam visto o Senhor vivo. Como pode tal postura? Tomé era um dos 12 discípulos, acompanhou diariamente Jesus durante seus três anos de vida pública e foi testemunha ocular de inúmeras ocorrências denominadas milagres na época[2].

Ora, a vitória do Cristo sobre a morte era considerada escândalo pelos judeus e loucura pelos gentios conforme nos narra Paulo de Tarso[3], tendo o Apóstolo dos Gentios especial autoridade para fazer tal afirmação.

Fariseu de nascimento, doutor da Lei e exímio orador, Paulo de Tarso ingenuamente alimentou em sua alma a ilusão de que os filósofos gregos facilmente compreenderiam a mensagem do Cristo[4].

Movido por tal sentimento, viaja até Atenas e profere o mais belo discurso já ouvido no Areópago[5] grego, “o célebre monumento de Atenas, que era a sede de reuniões de magistrados, sábios e filósofos”[6], famoso tribunal onde só se discutiam as questões de alta valia, dando-lhes a verdadeira luz, a verdadeira interpretação de que de Nosso Senhor Jesus Cristo recebia[7].

Emmanuel descreve de forma magistral o grande momento em que os orgulhoso atenienses recebem a boa nova do Cristo:

“Ninguém se interessou por Jesus e, muito menos, em oferecer-lhe hospedagem por uma simples questão de simpatia. Era a primeira vez, desde que iniciara a tarefa missionária, que se retiraria de uma cidade sem fundar uma igreja. Nas aldeias mais rústicas, sempre aparecia alguém que copiava as anotações de Levi para começar o labor evangélico no recinto humilde de um lar. Em Atenas ninguém apareceu interessado na leitura dos textos evangélicos. Entretanto, foi tanta a insistência de Paulo junto de algumas personagens em evidência, que o levaram ao Areópago, para tomar contato com os homens mais sábios e inteligentes da época.

Os componentes do nobre conclave receberam-lhe a visita com mais curiosidade que interesse.

O Apóstolo ali penetrara por mercê de Dionísio, homem culto e generoso, que lhe atendera às solicitações, a fim de observar até onde ia a sua coragem na apresentação da doutrina desconhecida.

Paulo começou impressionando o auditório aristocrático, referindo-se ao “Deus desconhecido”, homenageado nos altares atenienses. Sua palavra vibrante apresentava cambiantes singulares; as imagens eram muito mais ricas e formosas que as registradas pelo autor dos Atos. O próprio Dionísio estava admirado. O Apóstolo revelava-se-lhe muito diferente de quando o vira na praça pública. Falava com alta nobreza, com ênfase; as imagens revestiam-se de extraordinário colorido; mas, quando, começou a discorrer sobre a ressurreição, houve forte e prolongado murmúrio. As galerias riam a bandeiras despregadas, choviam remoques acerados. A aristocracia intelectual ateniense não podia ceder nos seus preconceitos científicos.

Os mais irônicos deixavam o recinto com gargalhadas sarcásticas, enquanto os mais comedidos, em consideração a Dionísio, aproximaram-se do Apóstolo com sorrisos intraduzíveis, declarando que o ouviriam de bom grado por outra vez, quando não se desse ao luxo de comentar assuntos de ficção.

Paulo ficou, naturalmente, desolado. No momento, não podia chegar à conclusão de que a falsa cultura encontrará sempre, na sabedoria verdadeira, uma expressão de coisas imaginárias e sem sentido. A atitude do Areópago não lhe permitiu chegar ao fim. Em breve o suntuoso recinto estava quase silencioso”[8].

Hermínio Miranda debruça-se sobre esse momento narrado no livro dos Atos dos Apóstolos e, como lhe é peculiar, anota de forma cristalina que:

“Decididamente, Atenas não estava preparada para Jesus, como pensara Paulo. Seus filhos, cultos, brilhantes, saudáveis e folgazões, viviam uma vida sem horizontes, mas sem grandes problemas metafísicos. Discutiam idéias, jactavam-se de sua ciência e de seus feitos passados. Era, enfim, uma classe blasé e sofisticada, à qual a mensagem de humildade e de fraternidade nada dizia. Estavam sendo chamados, mas não queriam ouvir a convocação para a renovação interior”[9].

Relembremos que a morte não existe e que somos possuidores de almas imortais. Não nos preocupemos com provas concretas da vitória do Cristo sobre a morte[10] e tampouco sejamos jocosos com a mensagem revolucionária de sua vitória triunfal. Procuremos, isso sim, ouvi-lo desde hoje, especialmente na parte que nos conclama à renovação interior.

REFERÊNCIAS:

[1] João 20:25, in O Novo testamento, tradução de Haroldo Dutra Dias, Brasília: FEB, 2013, p. 467.

[2] Tomé ou Tomás (Mateus 10:3) presenciou Lázaro retornar à vida (João 11:1-46), a cura da mulher hemorroíssa (Marcos 5:25-34), a tempestade ser acalmada (Mateus 8:23-27), a primeira multiplicação dos pães (Mateus 14:13-21), a segunda multiplicação dos pães (Mateus 15:29-39), etc.

[3] “Os judeus pedem sinais miraculoso, e os gregos procuram sabedoria; nós, porém, pregamos a Cristo crucificado, o qual, de fato, é escândalo para os judeus e loucura para os gentios, mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é o poder de Deus e a sabedoria de Deus” (1ª Coríntios 1:22-24),

[4] Palavra de origem grega, deriva de filosofia ((philos (φίλος) e sophia (σοφία)) e significa aquele que ama a sabedoria.

[5] Em grego antigo: areios pagos (Ἄρειος Πάγος) ou "Colina de Ares".

[6] SCHUTEL, Cairbar, Vida e Atos dos Apóstolos, Matão: Clarim, 1933, p. 149.

[7] SAMPAIO, Bittencourt, pelo Espírito (psicografia de Frederico Pereira da Silva Junior), Do calvário ao apocalipse, Rio de Janeiro: FEB, 6ª edição, 1907, página 76.

[8] EMMANUEL, pelo Espírito (psicografia de Chico Xavier), Brasília: FEB, 2013, páginas 369 e 370.

[9] MIRANDA, Hermínio Correia de, As marcas do Cristo: Paulo, o Apóstolo dos Gentios, volume 1, Brasília: FEB, 2010, páginas 149 e 150.

[10] “Jesus lhe diz: Porque me viste creste? Bem-aventurados os que não viram e creram” (João 20:29).

IMAGEM:

Gravura de Gustave Doré da bíblia de Tours (Mateus 28:5-6) - 1891

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