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Siá Tonha - cap. XVII


A amorosa falange de espíritos socorristas emitia luzes envolvendo a massa humana que desembarcava após a longa travessia do Atlântico.

Um a um, ou em duplas, os liderados de Sepé acolhiam os imigrantes, que fugindo da grande guerra pisavam o solo da pátria do Evangelho, deixando para trás muitos sonhos, afetos e suas histórias.

Siá Tonha aproximou-se de uma mãezinha que acabara de descer do convés do navio, envolvendo-a, enquanto a criaturinha, em pranto, apertava contra o peito a criança enrolada no cobertor encardido. A pobre mulher cambaleou, demonstrando o estado de fraqueza que a acometia. O homem que vinha ao seu lado conseguiu segurar a criança antes que fosse ao chão, enquanto outros viajantes cercavam a mãe desfalecida.

Os agentes da imigração gritavam, estentoricamente: - Andem! Andem! Tangendo as pessoas como se fosse gado em direção aos postos de imigração, improvisados no cais.

Em meio à algazarra, ouviu-se um grito de dor.

- Não! Não! O infeliz imigrante ao segurar o filho e afastar o cobertor percebeu que a criança estava morta. Notara que desde o dia anterior ele já não chorava, mas achou que estava mais tranquilo porque a tosse que o acometera em meio à viagem havia cessado.

Foi como se aquele grito desesperado impregnasse de uma força desconhecida a mãe que despertou do ligeiro desmaio e ajuntando as forças ergueu-se de um salto, retomando nos braços o pequenino morto que estava no colo do pai.

Tentou desvencilhar-se da pequena aglomeração que se formara em torno dela, mas foi contida. Outras mulheres piedosas enrolaram novamente a criança e abraçaram a companheira de viagem, buscando consolar a sua dor. Muitas delas tinham enfrentado a mesma situação na travessia e tiveram que jogar ao mar o corpo dos seus mortos.

Francesca assistira algumas destas cenas dolorosas e quando percebeu que seu bebê estava sem vida, sufocou o desespero e o manteve consigo, simulando amamentar-lhe, trocando-o longe dos olhares dos demais para não deixar jogá-lo ao mar. Agora, pensava, ele terá uma sepultura digna, onde alguém depositará flores e quem sabe um dia, eu possa voltar para pranteá-lo. Era a dor de uma mãe que Siá Tonha consolava, emitindo do centro de forças cardíaco uma luz em tom azulado que foi aos poucos fazendo com que a moça se acalmasse, enquanto as providências para um rápido sepultamento no cemitério local se fizessem.

Antonia contemplando o mar e a chegada dos viajores experimentou uma sensação de que um dia estivera nesta mesma condição.

Mas como? Indagava-se. Nunca tinha visto o mar em toda a sua vida na fazenda do Coronel Hilário.

Ficou ali, observando aquele quadro que impressionava-lhe muito, causando incontida emoção e parecendo-lhe muito familiar.

- Antonia, chamou Sepé, aproximando-se: - esta leva de imigrantes tem um longo caminho até as terras que lhe foram cedidas. Acompanharás Francesca e sua família, providenciando, também, aos demais que com ela seguem, as energias necessárias à superação dos muitos desafios e sofrimentos que enfrentarão.

Todos eles, devem a esta terra e a si mesmos o progresso que retardaram no passado e que integra o processo individual e coletivo da redenção das suas almas.

Siá Tonha e outros Espíritos da grande equipe do cacique de São Miguel, destacados para seguir com a caravana, empreenderam a marcha por muitos dias até o novo lar. Muitas curas foram protagonizadas por Jesus através da alma simples, mas resoluta de Antonia. Em uma terra pujante de recursos naturais, mas pobre dos recursos da medicina e de outros que preservassem a vida humana, Jesus cuidava de seu povo através da presença devotada de missionários nos dois planos da vida. Identificou-se a afinidade fluídica entre Antonia e Francesca, cuja dor da perda do filho transformara-se em força fraternal e abnegado auxílio a todos os que sustentavam lutas intensas para um recomeço nas terras do Brasil. Era a mediunidade de cura, anônima, florescendo em meio aos pauis de sofrimento na Terra.

Francesca assessorada por Siá Tonha rememorava as atividades da nona, na Itália, quando administrava chás e beberagens para a família e aos vizinhos. Isso foi de uma ajuda inigualável, porque inspirada por Antonia, ela recolhia na flora nativa muitas folhas, raízes que eram ministradas os doentes ou aplicados em feridas, cortes, queimaduras, picadas de insetos que ajudavam na cicatrização, além da transmissão fluídica que ocorria tão somente pelos cuidados dispensados e pelas orações feitas pela médium involuntária.

Siá Tonha coordenava, ainda, as ações de liberação dos despojos físicos, daqueles que tombavam pelo caminho, na grande estrada de libertação espiritual que empreendiam. Era a guardiã dos acampamentos montados na mata fechada. Alertava Francesca pela intuição e outros que também percebiam a sua presença e a sua influência de forma mais sutil, e assim, muitas vezes, evitou o ataque das feras, as picadas de insetos venenosos, quando isto era possível e necessário dentro das provações de cada um.

A cada fato vivenciado naquela viagem, Antonia voltava a ter a sensação estranha de que já houvera estado naqueles sítios.

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