A compaixão do Mestre
Vinícius Lima Lousada[1]
Estou compadecido com a turba, porque já permanece comigo há três dias, e não tem o que comer; (Marcos 8:2)[2]
Naqueles dias a multidão acompanhava os passos do Mestre, entre suas preleções e atitudes fraternais dispensadas ao povo simples e a todos aqueles que O buscassem. Aqueles momentos eram instantes de renovação espiritual e energias salutares transitavam pela atmosfera fluídica dos circunstantes, projetadas pelo amor do Mestre, renovando o ânimo aqui, inspirando coragem ali e elevando o padrão vibratório acolá.
Ninguém podia ficar incólume à influência do Divino Mestre e, do mesmo modo, as lutas de cada qual não Lhe eram indiferentes e, aliás, não são até hoje, como nos destaca o Espírito de Verdade ao dizer: “Eu, o divino jardineiro, as cultivo no silêncio dos vossos pensamentos. (...)”[3] Espírito Superior, a Sua evolução se revelava na força positiva de sua influência moral.
Enxameavam à sua volta enfermos, necessitados de toda ordem, homens e mulheres sedentos de uma espiritualidade plenificadora, livre dos dogmas, ritualísticas e estruturas hierárquicas que, de sua parte, reproduziam as estruturas políticas do poder temporal, mal-disfarçadas de necessidades da fé que, por sua vez, sufocavam a crença verdadeira, aquela nascida da inteligibilidade das Divinas Leis desde o mais íntimo da consciência do ser integral.
Era a segunda vez que uma multidão acompanhava o Mestre sem ter com o que nutrir o corpo e já haviam se passado três dias. Todos residiam longe e caso Ele finalizasse ali o encontro, percebia o Divino Amigo que muitos ficariam pelo caminho à míngua. E, somente como sói acontecer nas ações de lideranças servidoras, Ele se voltou às necessidades da multidão, compadecendo-se e agindo sem deixar de comunicar a sua visão aos discípulos, apresentando-lhes uma lição viva de amor ao próximo.
Narra o Evangelista Marcos, que Jesus questionou aos discípulos sobre quantos pães estes tinham, identificando a quantidade de sete para, logo após, recomendar a turba para que se acomodasse no chão. Em seguida, Ele agradeceu a Deus e compartilhou os pães em pedaços para que Seus companheiros entregassem ao povo. O texto evangélico narra, ainda, que eles também tinham alguns peixinhos que foram abençoados por Ele para, na sequência, os seus discípulos oferecerem às pessoas. A narrativa registra que todos comeram, se saciaram e levaram das sobras dos pedaços sete cestos redondos…
Allan Kardec refere o fato à luz da lógica espírita, em A Gênese[4], abrindo a possibilidade da compreensão do mesmo como uma parábola ou como um fenômeno singular da saciedade provocada pelas lições do Rabi junto àquela gente sofrida e faminta de saberes de espiritualidade e paz que o mensageiro da Boa Nova passou a compartilhar, conhecendo em profundidade as necessidades legítimas do povo, dada a Sua condição de Espírito Superior, como também, em razão de sua influência magnética.
Neste sentido, a obra kardequiana nos ensina que:
Sem nada prejulgar quanto à natureza do Cristo, natureza cujo exame não entra no quadro desta obra, considerando-o apenas um Espírito superior, não podemos deixar de reconhecê-lo um dos de ordem mais elevada e colocado, por suas virtudes, muitíssimo acima da humanidade terrestre. Pelos imensos resultados que produziu, a sua encarnação neste mundo forçosamente há de ter sido uma dessas missões que a Divindade somente a seus mensageiros diretos confia, para cumprimento de seus desígnios. Mesmo sem supor que ele fosse o próprio Deus, mas unicamente um enviado de Deus para transmitir sua palavra aos homens, seria mais do que um profeta, porquanto seria um Messias divino.[5]
Portanto, o que verificamos na atitude de Jesus de Nazaré é a compaixão de um Espírito Superior por Espíritos em tamanha inferioridade, profundamente vinculados ao Terra-a-Terra e carentes de compreensão mais elevada das Leis Divinas para a condução consciente de seus processos evolutivos, debatendo-se entre a ignorância e as paixões. Reflitamos sobre qual não devia ser a condição evolutiva daquelas almas, se considerarmos a anotação de Irmão Jacob, em sua obra Voltei (FEB), extraída de uma cartilha preparatória à reencarnação, sobre o estado de adiantamento espiritual dos terrícolas no século passado:
“Dois terços das criaturas Humanas encarnadas na crosta da Terra demoram-se em jornada evolutiva da irracionalidade para a inteligência ou da inteligência para a razão; a terça parte restante acha-se em trânsito da razão para a Humanidade. Fora do corpo terrestre, mas ligados ao mesmo plano, evolutem bilhões de seres pensantes nas mesmas condições.”
Das anotações acima, de Kardec e de Frederico Figner (Jacob, na psicografia de Francisco C. Xavier), podemos mensurar a distância espiritual que havia entre o Mestre e aqueles que O seguiam, se considerarmos os padrões de comportamento mental referidos pelo autor espiritual para tempos mais próximos ao nosso.
Acompanhado pela multidão, o Amigo Celeste se sensibilizou pelas circunstâncias dela naquele momento e agiu pelo bem maior de todos, em prol de suas necessidades da alma. Ele foi tomado de compaixão, deste sentimento em que a fragilidade ou a situação adversa vivida pelo outro nos afeta as fibras mais íntimas do ser e convoca-nos a tomar parte ativa de sua vida, a fim de aliviar ou colaborar na libertação de seu sofrimento a partir do reconhecimento de nossa humanidade compartilhada.
Conceitualmente, a compaixão pode ser compreendida como uma “bondade amorosa dirigida a alguém que sofre (...)”[6], comum a todas as tradições religiosas, no Espiritismo a encontramos bem representada na caridade, situada pelos guias da humanidade como uma ação moral que se concretiza através da benevolência, do perdão e da indulgência.
No episódio da vida de Jesus narrado por Marcos, e aqui relembrado, temos a exemplificação do Mestre que deve nortear nossos passos na Terra: em todas as circunstâncias devemos agir com caridade.
Para isso, a Espiritualidade Superior nos recomenda algo que deixo, fraternalmente, para a meditação de nossos leitores:
Em todas as circunstâncias a caridade é o seu guia, pois está ciente de que aquele que prejudica a outrem com palavras malévolas, que fere com o seu orgulho e o seu desprezo a suscetibilidade de alguém, que não recua à ideia de causar um sofrimento, uma contrariedade, ainda que ligeira, quando a pode evitar, falta ao dever de amor ao próximo e não merece a clemência do Senhor.[7]
Referências: [1] Vice-presidente de Unificação da Fergs. [2] O Novo Testamento. trad. Haroldo Dutra Dias. FEB. Edição do Kindle. [3] KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. FEB Publisher. Edição do Kindle, Cap. VI, item 5. [4] KARDEC, Allan. A gênese. FEB Publisher. Edição do Kindle. Cap. XV, item 48. [5] KARDEC, Allan. A gênese. FEB Publisher. Edição do Kindle, Cap. XV, item 2, p. 305. [6] RIBAUDI, Joaquim Soler. Compaixão e autocompaixão: definição, construto e medição. in: GARCÍA-CAMPAYO, Javier; CEBOLA I MARTÍ, Ausías; DEMARZO, Marcelo M. P. (coord.). trad. Denise Sanematsu Kato. A ciência da compaixão. São Paulo: Palas Athena, 2018, p. 46 [7] KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo (p. 227). FEB Publisher. Edição do Kindle. Cap. XVII, item 3.