A coragem para ser bom - cap. 12
Pela reencarnação no mesmo globo, quis Ele que os mesmos Espíritos, pondo-se novamente em contato, tivessem ensejo de reparar seus danos recíprocos.[1]
Filhos de um dos chefes de tropas revolucionárias no Sul, dono de extensas glebas de terras, muitas havidas por concessão da Coroa Imperial, mas outras tomadas dos pequenos proprietários à custa de mortes e expropriação pela força. Devido à ausência prolongada do chefe da família, sempre em lutas pelo domínio e poder, os dois irmãos eram os responsáveis pelo cuidado com patrimônio da família, tendo Açucena, à época, assumindo junto com Joaquim a administração das fazendas e da charqueada que lhes pertencia. Ela, dada a necessidade de se fazer temida pelos peões e escravos, assumiu postura viril, usando bombachas, camisas e botas campeiras no estilo masculino. Embora tivesse estudado, aprendido a tocar piano e fazer artesanato caseiro com sua avó, pois a mãe falecera quando ela ainda era bebê, abandonou essas lides e aprendeu a laçar, domar potros e conduzir o gado com maestria, pois Joaquim não tinha habilidade nem gosto por tais afazeres. Também tornou-se cruel com os subordinados e escravos, a quem devotava desprezo e usava de perversidade inominável, por julgá-los criaturas inferiores. Respeitava, unicamente, Bá Bela, a escrava que amamentou e cuidou deles como filhos seus. Bela era firme e nunca curvou a cabeça, mesmo que muitas vezes isso lhe rendesse castigos cruéis, aos poucos foi ganhando a confiança de Dom Antonio e de Açucena. Joaquim era um espírito leviano, mas não entendia nem aprovava a escravidão. Tinha compaixão e lhe desagradava a crueldade para com eles.
Devido às constantes escaramuças com os uruguaios montaram uma milícia armada que protegia a fazenda e o povoado próximo. Açucena tornou-se temida, como queria, em toda a região, e também odiada, pois a ela se atribuíam muitos dos crimes cometidos e do sumiço de famílias inteiras cujas terras eram incorporadas ao latifúndio de Dom Antonio. Joaquim, o Joca, de sua parte era um “bon vivant”, fazia presença nos negócios e tratativas para impor mais autenticidade às ações da irmã e gastava o dinheiro do pai em orgias, envolvido em relacionamentos escusos, infelicitando muitos lares onde desrespeitava donzelas e até senhoras casadas que se encantavam com a sua fala polida e dissimulada. Os homens, nas guerras, distantes do lar, as mulheres solitárias e frustradas em uniões infelizes eram um prato cheio para o caráter leviano do moço.
Açucena, na intenção de fortalecer a sua posição diante dos negócios da família, casou-se com o filho de outro fazendeiro, vindo do Rio de Janeiro para se estabelecer no Sul. Era um jovem inteligente, culto, formado em Direito, com maneiras bem diferentes dos costumes sulinos. Sua delicadeza no trato e a bondade que passou a cobrar em relação aos escravizados e empregados logo começaram a causar desagrado à esposa, pois criavam embaraços para os seus planos sórdidos e se contrapunham as suas ideias.
Açucena não tinha limites para conseguir o que queria e passou a tecer uma trama para se livrar do esposo. Alguns meses depois ele apareceu morto em um lago da propriedade, sendo o fato dado como um afogamento acidental.
A morte de Dom Antonio em batalha na Guerra dos Farrapos pôs Joaquim, o filho varão, legalmente à frente dos negócios e a sua costumeira concordância com as decisões da irmã, tão logo se viu senhor do extenso patrimônio se desfez, realçando o seu caráter esbanjador e consumindo rapidamente a herança paterna. Açucena, inconformada com a situação e sentindo-se ameaçada pelas ações desastrosas de Joaquim encomendou também a sua morte tornando-se uma fratricida. Depois de muitos sofrimentos nas regiões espirituais, renasceram ambos, mais o marido assassinado por Açucena, no lar de Nivaldo e Fernanda para os reajustes necessários no seio de um lar amoroso e esclarecido pelos princípios do Consolador Prometido.
A desencarnação precoce de Nivaldo Cerqueira Neto interrompeu, momentaneamente, os planos de reeducação estabelecidos no planejamento reencarnatório.
Referência:
[1] Allan Kardec. O evangelho segundo o espiritismo (Portuguese Edition) (p. 85). FEB Publisher. Edição do Kindle.
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