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A coragem para ser bom - cap. 15




Em vão se objeta que o esquecimento constitui obstáculo a que se possa aproveitar da experiência de vidas anteriores. Havendo Deus entendido de lançar um véu sobre o passado, é que há nisso vantagem. Com efeito, a lembrança traria gravíssimos inconvenientes.[1]

 

A noite fora de intensos trabalhos junto aos encarnados. Isso era o que a intuição revelava a Nivaldo, quando acordava sentindo um desejo de realização e de sair em busca da dor para consolar, esclarecer, aliviar quem quer que fosse. Afloravam-lhe a mente as imagens da sua filha, Nice, em cenas dela a conversar com uma criança de pouco mais de cinco anos a quem chamava pelo nome de Rodrigo, o mesmo nome do irmão assassinado. Não sabia se era a sua intenção colocar o nome do irmão no filho, mas achava improvável, pois embora a relação de irmãos, ambos sempre nutriram antipatia recíproca um pelo outro, e Rodrigo revelava até certo temor de estar por perto da irmã, algo inexplicável, ou ao menos parecia.

- O que você está pensando Valdo, essa perna sacudindo de forma incontrolável diz tudo - falava Nanda, servindo o café.

- Creio ter estado com Nice nessa noite e com nosso neto, mas ele já estava grande, com uns cinco anos, e ela o chamava de Rodrigo. Ela comentou se vai dar esse nome a ele?

- Não comentou, mas acho difícil, o mais plausível é que o nosso guri esteja voltando. Não achas?

- Será? Mas tão rápido? – os olhos de Nivaldo brilharam e um sorriso largo desenhou-se no seu rosto.

- Calma, é só uma suposição. A gente nunca tem certeza absoluta nessas questões. E se isso se confirmar não será uma relação fácil. Eles não eram almas afins, mas, seja quem for vamos entregar todo o nosso amor e os cuidados necessários para o aprimoramento dessa alma.

Antes de ir falar com Ramão, Nivaldo passou na Andorinhas para ver Nice. As cortinas do quarto estavam cerradas, possivelmente ela estivesse dormindo ainda.

Ao subir os primeiros lances da entrada principal foi defrontado pelo segurança, revelando um ar aflito, nada normal em se tratando daquela criatura.

- Bom o senhor ter chegado! A patroa não está bem, já tentamos convencê-la a ir ao médico, porém ela se nega.

- Nivaldo foi entrando e subiu logo ao piso superior da fazenda, seguido pelo homem... – rapaz, como é seu nome? – Gaspar, senhor.

- Ah! Agora posso chamá-lo pelo nome, pois te vejo quase todo o dia e nem sabia o seu nome.

- Gaspar ficou tocado com o interesse, estava tão acostumado ao tratamento impessoal recebido, onde era apenas um escudo de defesa dos seus patrões, que aquele mínimo olhar causou-lhe significativa impressão. Apontou o quarto ao pai de Nice e desceu a escada.

- Nice, o que há com você?²

- Quem te deixou entrar, pai, sem nem me avisar?

- Perguntei primeiro. Não estás bem?

- Dores normais de uma gravidez, nada mais.

Nivaldo sentiu, intuitivamente, a presença conhecida do benfeitor Carlos, afeito ao convívio de longo tempo com aquele anjo guardião da sua caminhada.

- Mesmo assim, o teu obstetra precisa saber, vou ligar.

- Não. Não faz isso pai, não te mete na minha vida.

A fúria, estampada no rosto e denunciada na voz, surpreenderam Nivaldo, que mesmo assim iniciou a chamada para o médico em meio aos protestos veementes da filha.

Carlos e sua equipe espiritual estavam a postos, aplicando fluidos no centro coronário de Nice para abrandar a sintonia com o grupo de Espíritos adversários em processo de aprofundamento da influência exercida sobre os pensamentos da mulher, fazendo várias tomadas mentais, com a finalidade de impulsioná-la a cometimentos infelizes, dentre eles a expulsão do feto, obstando a reencarnação em curso.

Aos poucos o ímpeto rebelde foi sendo contido e uma sudorese intensa tomou conta da jovem mãe, enquanto uma languidez a tomava por inteiro, juntamente com a dificuldade respiratória que se pronunciava. Esses efeitos orgânicos eram preparatórios para a inibição da vontade e a diminuição da lucidez a fim de permitir a remoção para o atendimento médico. Foi o que Gaspar fez a pedido de Nivaldo, carregando-a para o carro e rumaram os três para o hospital.

A leve sedação permitiu os exames e a constatação de um início de sangramento, colocando o obstetra em alerta, pois não havia qualquer indício anterior de problemas relacionados à saúde tanto do feto, quanto da mãe.


Referência:

[1] Allan Kardec. O evangelho segundo o espiritismo (p. 94). FEB Publisher. Edição do Kindle. Cap. V, item 11

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