A coragem para ser bom - cap. 19
Todos os Espíritos têm livre acesso a qualquer região? “Os bons vão a toda parte e assim deve ser, para que possam exercer sua influência sobre os maus.”[1]
Ramão lembrava daquele dia, quando fora abordado por Nice enquanto fazia a ceifa do capinzal. Recordava das palavras ditas por ela, que ele estava sob ameaça e da forma fria como lhe propôs assassinar Antonio Cezar, quando ele obtivesse permissão para ir conhecer o filho após o nascimento.
Nice acalmara-se, aceitando aparentemente a gravidez e nisso tinha intenções bem claras de engendrar uma armadilha para o companheiro, o qual já manifestara aos seus advogados o desejo de solicitar permissão de saída para conhecer o filho. Ela sabia que a saída somente se dá mediante escolta, mas tramou o assassinato com Ramão, à época profundamente mergulhado no ódio e não avaliava o alto risco de ser preso. Para ele não importava nada, somente a vingança concretizada, pois lhe parecia o único caminho para estancar a dor causada pelos atos daquele facínora.
A tenebrosa falange interessada nos planos dos encarnados exultou ante as combinações, pois o homicídio dentro da propriedade de Nivaldo envolveria não somente Nice, mas também seus pais, responsáveis por abrigar e dar trabalho ao assassino e poderiam ser inculpados de coautores do crime. O planejamento das sombras se estabelecia, lançando tentáculos em muitas mentes frágeis e perversas facilmente manipuladas para o desfecho pretendido.
De há muito abominavam a intromissão de Nivaldo e Fernanda nos seus planos, pelas ações no bem, preces e aconselhamentos aos filhos e demais pessoas da sua esfera de relações. O tráfico de drogas no mundo é um recurso amplamente manipulado pelos desencarnados para cooptarem dentre os adictos e criminosos, locupletados nesse vil comércio, as mentes sem barreiras morais, subservientes e permeáveis à manipulação, para os intentos ignóbeis dessas congregações criminosas no além túmulo. Por isso se aliam e “protegem” os seus asseclas nos dois planos da vida. Sua perseguição ao casal não tinha raízes em demandas pretéritas, mas sim na atuação de ambos nessa encarnação, onde várias vezes, com suas atitudes cristãs obstaram o avanço das ações malfazejas do bando.
A princípio rodearam Nice pela condição de nova gerente do “negócio”, em face da prisão de Antonio Cezar, mas as vacilações demonstradas por ela, diante dos dramas conscienciais mantidos, geraram descrédito, e eles passaram a agir para afastá-la do comando dos delitos, porém observando a condução de tratativas para eliminar o preso, voltaram a cercá-la, pois “bandido na gaiola” sempre é motivo de preocupação e fragilidade nas quadrilhas encarnadas com reflexo nos planos espirituais inferiores.
Agora era Ramão a dar sinais de romper o acordo feito. Os estudos doutrinários, o evangelho, as preces e as conversas com Nivaldo o faziam refletir e arrefeciam o ímpeto de vingança, embora o sentimento de rancor persistisse no seu coração, já não se sentia disposto a tirar a vida do inimigo.
Não sabia como dizer isso à Nice. Tinha dinheiro recebido por antecipação e o guardara em lugar seguro. Podia devolver, mas sabia estar arriscando a sua vida ao não cumprir o combinado. Não confiava “naquela dona”, se ela mandou matar o marido, o que não faria com ele. Aprendeu que a oração traz coragem e paciência para enfrentar as dificuldades e ele tinha se metido numa bem grande, agora precisava de ajuda para sair.
Pensou em contar ao seu Nivaldo, mas não podia dizer àquele homem que a filha dele era uma mandante de assassinato, seria muita tristeza para um coração de pai. Ele aprendera a respeitar e admirar Nivaldo e não ia ser fruto de desgosto para ele. O que fazer?
Fechou a janela do alojamento e se encolheu sob as cobertas custando a conciliar o sono, por muitas vezes se erguia da cama e acendia a luz com a impressão de estar sendo observado por alguém na escuridão.
Com os olhos a expelir chispas o vulto extravagante aguarda, pacientemente, com seus comparsas, o sono da vítima, quando sem a proteção do corpo perceberá com mais intensidade as presenças e os comandos da infeliz legião.
Referência:
[1] Kardec, Allan. O livro dos espíritos (Portuguese Edition) (p. 203). FEB Publisher. Edição do Kindle. P. 279
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