A coragem para ser bom - cap. 23
O mandamento: “Honrai a vosso pai e a vossa mãe” é um corolário da lei geral de caridade e de amor ao próximo, visto que não pode amar o seu próximo aquele que não ama a seu pai e a sua mãe; mas o termo honrai encerra um dever a mais para com eles: o da piedade filial. Quis Deus mostrar por essa forma que ao amor se devem juntar o respeito, as atenções, a submissão e a condescendência, o que envolve a obrigação de cumprir-se para com eles, de modo ainda mais rigoroso, tudo o que a caridade ordena relativamente ao próximo em geral.[1]
Dinah Rocha, Alba Saucedo e Áurea Eifler – entidades ligadas aos institutos de amparo à família no mundo espiritual - coordenavam alguns aspectos da atividade desenvolvida junto ao leito de Gaspar. Aproximaram-se com suas equipes para iniciar a assepsia espiritual do ambiente, desintegrando as nuvens miasmáticas densas, aspergindo substâncias para o adormecimento das entidades ligadas às hostes de Plúmbeo, que rondavam o local.
Os liderados por Áurea agiam para estimular as áreas cerebrais do paciente, resgatando as memórias do abrigo de menores onde ele esteve recolhido e reforçando as lembranças felizes relativas a sua participação nas aulas e nos grupos de evangelização, trazendo até mesmo as imagens de uma Confraternização de Juventudes Espíritas e a atuação de Gaspar numa peça teatral. As músicas, as dinâmicas, os diálogos eram organizados pela equipe de forma a se sobreporem a outras recordações. Também os atendentes liderados por Dinah se aplicaram a resgatar as reminiscências do convívio com a família biológica, ressignificando cada cena em diálogo estabelecido com a alma emancipada pelo sono, assistindo a tudo como se estivesse em uma grande sala de cinema, mas com participação ativa nas cenas em apreciação.
Para a equipe de Alba havia um planejamento diferente, cabia-lhe conduzir Gaspar a um local fora da ambiência da fazenda, o que se revelava de extrema complexidade em razão dos pensamentos e do contexto vivencial a impedir o afastamento do corpo. Gaspar resistia. A vida em sobressalto constante, desconfiando de tudo e todos, os atos escusos praticados produzem o chumbamento perispiritual junto ao instrumento físico, requisitando aos atendentes espirituais uma operação para trazer até o paciente as imagens e a psicosfera do local que ele deveria visitar. Isso fez Gaspar sentir-se fora da fazenda sem dela ter se afastado.
Ele via-se em uma instituição para crianças com deficiências mentais graves, cegueira, paralisia cerebral, membros deformados, algumas verdadeiras teratologias, outros apenas com pedaços do tronco, sem os membros. Ao visualizar o ambiente, Gaspar quis fugir, mas não podia, a visão era uma projeção obtida por processos desconhecidos no mundo físico e atingia dimensões ainda não compreendidas na Terra. O impacto foi se amenizando quando uma voz se fez ouvir em prece, dita com tal suavidade, que o local se inundou de luz e o silêncio foi se fazendo, os gritos, gemidos tão comuns naquele espaço se abrandaram.
Gaspar procurou de onde vinha aquela voz e quando identificou o seu agente teve um choque, pois naquele homem que a emitia, se sobrepunha a imagem de um menino de doze anos - a última imagem que tinha de um dos seus irmãos - o mais afim com ele, por quem nutria um carinho extremado e vira pela última vez ao ser levado para adoção.
- Mauro, é você Mauro, meu irmão!
Dona Alba, nesse ínterim, providenciava com sua equipe um reencontro em desdobramento dos dois irmãos, aproximando, também, Raquel para estabelecer ali a continuidade das lutas redentoras que não estavam interrompidas, mas temporariamente em desvio pelas deserções praticadas. Mauro externava da região umbilical um potente fluxo energético que envolvia Gaspar e Raquel. A impressão do encontro se fazia em cada célula do corpo físico e perispiritual de ambos, reativando os mecanismos glandulares, nervosos, motores e os elementos sutis para o funcionamento do processo de autocura, imanente em todo o ser. Nenhuma palavra foi dita, apenas as torrentes de pensamentos e emoções jorraram em profusão, sendo alinhadas pela espiritualidade em ação socorrista, depositando, novamente, nas mãos dos filhos de Deus ali presentes as renovadas chances de refazimento – Gaspar no trânsito carnal e Raquel nos preparativos para a próxima reencarnação. Mauro, médium espírita em desdobramento, vinha de há muito rogando aos numes familiares a possibilidade de reencontrar seus irmãos e auxiliar a mãezinha, mergulhada em rebeldia nas regiões de sofrimento na espiritualidade, tivera pelos méritos do trabalho desenvolvido no Centro Espírita onde servia.
Referência
[1] Allan Kardec. O evangelho segundo o espiritismo (Portuguese Edition) (p. 231). FEB Publisher. Edição do Kindle. Capítulo XIV, item 3.
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