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A coragem para ser bom - cap. 26




Todo aquele que sinceramente deseja ser útil a seus irmãos, mil ocasiões encontrará de realizar o seu desejo. Procure-as e elas se lhe depararão; se não for de um modo, será de outro, porque ninguém há que, no pleno gozo de suas faculdades, não possa prestar um serviço qualquer, prodigalizar um consolo, minorar um sofrimento físico ou moral, fazer um esforço útil.[1]


A porta da delegacia estava ali há poucos passos, dúvida e medo criavam na emotividade de Ramão uma algema a impedir-lhe de fazer o que precisava. Antes mesmo de o sol surgir, saíra do esconderijo onde se refugiara após o ataque à fazenda e nem sabia explicar como não fora levado com os demais. Lembrava-se da força sobre humana experimentada naqueles momentos. Meteu-se entre os galhos da grande figueira em frente ao alojamento e ficou quieto, respiração suspensa, observando tudo.  Viu levarem Nivaldo, Fernanda, Nice, Augusto e mais dois peões do alojamento. Começaram as buscas sabendo da sua presença na fazenda, pois esses ataques são bem planejados. Milagrosamente, era o que pensava, ele escapara, mas já sabia que milagres não existem, e foi aos poucos concluindo que fora poupado para auxiliar os prisioneiros.

Assim que os carros saíram, viu que homens ficaram de guarda na casa, desceu rapidamente da figueira e procurou ocultar-se em um tufo de arbustos de onde podia ouvir as conversas dos vigias, buscando identificar para onde levaram os sequestrados, algum indício que levasse ao cativeiro, enfim. Escutava com atenção as conversas banais e grosseiras dos capangas quando se ouviu o rumor de um carro a estacionar diante da fazenda. Um homem se aproximou e deu ordens expressas para os “guardas” não se deixarem ver por ninguém.

- Fechem a casa e se alguém se aproximar não denunciem a presença de vocês. A casa deve parecer deserta, como se os donos tivessem viajado. Em pouco tempo eles estarão de volta, ou não...

Ramão reconheceu a voz e quando o homem passou sob o poste de luz na entrada principal da casa, pode ver-lhe a face e se certificar de quem era, tendo aí a dimensão da luta enfrentada por Nivaldo.

Agora precisava atravessar a rua e falar com o Delegado Acádio, mas a mente estava em turbilhão, não conseguia alinhar os pensamentos, e se ele também estivesse envolvido nos fatos, não, não pode ser, ele sempre foi amigo do Seu Nivaldo.

Na dimensão espiritual viam-se duas equipes rodeando Ramão nesse momento de escolha importante. O mentor amigo Carlos, com sua presença discreta sem interferir nas decisões do protegido, mas emitindo vibrações de coragem e fé, e de outro, a malta comandada por Plúmbeo, na tentativa de agredir e comandar os pensamentos de Ramão.

Durante aquelas horas, em expectativa, passava pela sua mente a vontade ir embora, aproveitar o tumulto e ganhar o mundo, voltar para sua terra e deixar para trás todas as tristezas e lutas ali encontradas, mas no fundo da alma sentia uma gratidão imensa por Nivaldo e sua família e se não contasse o que sabia, talvez o homem bom que o socorrera em momentos tão difíceis encontrasse a morte nas mãos daqueles assassinos.

Com essas inúmeras questões e perguntas a atordoar-lhe Ramão ouviu a voz a lhe perguntar:

- O que fazes aqui, Ramão?

- Delegado... o senhor quase me mata de susto!

Acádio olhou aquele homem sujo, apavorado, com arranhões nas mãos e braços e logo percebeu estar algo errado... muito errado.

- O que te aconteceu, homem, tu estás fugindo de alguém? Por que estás aqui meio escondido?

Ramão abaixou a cabeça e começou a falar, mas as palavras morriam na sua garganta, a voz entrecortada deixava ver o dilema, o medo, quase pavor a afligirem-no.

- Venha, vamos entrar, aí você me conta tudo o que está te deixando nesse estado.

Como se uma voz interior lhe apontasse o perigo, Ramão reagiu – Não, seu delegado, ali não, pode ser perigoso.

A autoridade com sua larga experiência no trato com as mazelas do crime percebeu a gravidade do que estava por vir e acalmou o pobre homem.

- Está bem, Ramão, venha comigo.

Saíram, ambos, cuidadosamente, dali para entrarem no carro de Acácio estacionado a poucos metros.

- Fale agora Ramão, estamos sozinhos, ninguém nos escutará aqui, o que aconteceu?

A narrativa de Ramão foi a peça chave para desvendar o crime de sequestro e a localização do cativeiro de Nivaldo. Desde a busca frustrada na Fazenda Andorinhas, Acácio e seus policiais estavam sendo monitorados pela Corregedoria e identificaram o agente corrupto que vazava informações à quadrilha de Antonio Cezar. Porém, a informação mais importante trazida por Ramão foi a identidade do homem que dava ordens aos capangas de guarda na fazenda de Nivaldo.

- Já estávamos sabendo Ramão do envolvimento de “Sua Excelência” nessa formação de quadrilhas. Seu testemunho só comprova. Agora vou te levar para a casa de testemunhas protegidas enquanto montamos a operação de resgate. Saiba que o Nivaldo salvou sua vida e talvez hoje você tenha salvo a vida dele, da sua família e dos teus demais colegas de trabalho. Você é um homem valente.

A primeira providência de Acádio foi espalhar a notícia dando uma falsa localização do cativeiro e fazê-la chegar aos ouvidos de Nero, o policial corrupto, daí foi seguir-lhe os passos e monitorar as ligações já sob grampo, combinando-as com as informações sobre o comprometimento de “Sua Excelência” nos fatos. A operação deflagrada com policiais de outra jurisdição, comandados por Acácio, estourou o cativeiro e libertou Nivaldo, porém Nice e Fernanda não foram encontradas no mesmo local.



Referência:

[1] Allan Kardec. O evangelho segundo o espiritismo (Portuguese Edition) (p. 212). FEB Publisher. Edição do Kindle. Capítulo XIII. Item 6


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