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A coragem para ser bom - cap. 28



Sustentai os fortes: animai-os à perseverança. Fortalecei os fracos, mostrando-lhes a bondade de Deus, que leva em conta o menor arrependimento; mostrai a todos o anjo da penitência estendendo suas brancas asas sobre as faltas dos humanos e velando-as assim aos olhares daquele que não pode tolerar o que é impuro. Compreendei todos a misericórdia infinita de vosso Pai e não esqueçais nunca de lhe dizer, pelos pensamentos, mas, sobretudo, pelos atos: “Perdoai as nossas ofensas, como perdoamos aos que nos hão ofendido.”[1]

 

O choro do pequeno Fernando - esse foi o nome escolhido por Nice em gratidão a sua mãe, que tamanha coragem e decisão demonstrou naqueles momentos - ecoava forte enquanto tentava sugar o seio. Após a noite extenuante Nice e Fernanda adormeceram por alguns instantes e ao acordarem acomodaram o bebê e logo perceberam a porta do quarto entreaberta.

Devagar Fernanda se aproximou e olhou pela fresta e ficou, surpresa vendo que o local estava deserto. Cadê os sequestradores? – pensou. Silenciosamente foi se aventurando a esquadrinhar o local para tomar pé da situação e deu-se conta de que era um lugar idêntico ao quarto onde estavam, sem janelas, parecendo uma construção hermética. Algumas luzes permaneciam acesas e o recinto parecia abandonado, com uma desordem reinante como se tivessem saído às pressas. Aguçou o ouvido e escutou alguns gemidos abafados no outro lado da construção, onde encontrou os empregados da fazenda amarrados, amordaçados e tentou desamarrá-los, mas os nós muito apertados não cediam. Lembrou da tesoura que serviu para cortar o cordão umbilical de Fernando e voltou ao quarto, apressada, deixando Nice sem entender o que se passava.

- Já volto, minha filha, acho que nos deixaram aqui.

- Nos deixaram... mãe... o que está acontecendo?

Com os empregados da fazenda livres das amarras se iniciou a busca para encontrar a saída daquele labirinto. Não havia porta, nem janelas, nem se ouviam sons exteriores. Onde estavam, afinal? Depois de algumas averiguações encontraram finalmente a escada do alçapão. Ele estava destrancado. Ao subirem compreenderam estar numa construção subterrânea, cuja saída dava em um armazém com sacas de grãos acondicionadas - era um depósito, uma fazenda conhecida dos trabalhadores. Ainda temerosos, sondaram as redondezas para se certificarem de que não estavam sendo vigiados, porém, parecia que os seus algozes haviam fugido ou facilitado a fuga das vítimas.

Improvisaram com as cobertas uma padiola para carregar Nice, ainda enfraquecida pela crueza do parto e se ocultaram em um capão de mato para decidirem o que fazer. Fernando começou a chorar, enquanto a mãe buscava acalmá-lo oferecendo o seio. 

Os membros da quadrilha desconfiados da falta de comunicação resolveram sair e entender o que se passavam, ficando cientes da operação policial em andamento e da prisão do chefe, trataram de se por a salvo, abandonando o cativeiro e fugindo. Gaspar havia sido levado no dia do sequestro, mas logo libertado para nada saber sobre o cativeiro, e ainda não fora encontrado pela polícia.

A equipe de Dinah Rocha continuava suas ações de despertamento da consciência daquele homem, contando com o auxílio de Luigi, o pupilo de Madre Teresa,[2] afeito ao trabalho junto aos criminosos envolvidos no tráfico de drogas, quando começam se deixar afetar pelo remorso de suas culpas. O “leão de chácara” de Nice sabia bem mais do que revelava aos seus comparsas. Tinha encontrado, quase que por acaso, o mapa das ramificações subterrâneas onde era feito o refino de cocaína. Em três propriedades da região as construções subterrâneas como aquela onde os familiares e empregados de Nivaldo foram presos eram os locais desconhecidos da polícia. As noites após o sequestro de Nivaldo e dos seus foram tormentosas para Gaspar que se escondeu em um dos “bunkers” como eram chamados tais subterrâneos, pela quadrilha. Estava aflito, experimentava uma agonia desconhecida até então, e tudo isso era reflexo dos diálogos amorosos e enérgicos mantidos durante os escassos períodos de sono.

Luigi, conhecedor dos meandros do crime organizado, onde transitou na última encarnação, projetava-lhe na mente as consequências das ações patrocinadas pelos traficantes de drogas no mundo e isso estava a revolver a sua emoção endurecida. Pensava em Nice e na criança prestes a nascer e isso o fazia se sentir um monstro, nunca havia pensado em si dessa forma e no quanto as suas atitudes eram lastimáveis e os danos causados a pessoas indefesas. Olhava repetidas vezes o mapa da localização dos laboratórios. Sabia como fazer chegar ao delegado, mas não era um alcaguete, um traidor, mesmo de uma forma repulsiva os criminosos têm lealdade aos seus comparsas, seja por medo ou por desejo de proteção, mas lembrava-se da fala do chefe, naquela noite na Fazenda das Andorinhas, ameaçando se livrar dos cúmplices. Será que valia a pena ter lealdade para com ele?

Quando soube da prisão do chefe e demais membros da facção sabiam estar com os dias de liberdade contados. Não tinha para onde fugir, devia estar cercado e cedo ou tarde ele teria de sair do covil onde se refugiara e alguém ia dar o serviço, pois a polícia sabia como arrancar a colaboração dos presos.

O conflito ia crescendo e se tornando insustentável dentro de si. Precisava salvar aquela criança, afinal era uma morte inútil para ele e para qualquer dos delinquentes da facção. As visitas espirituais de Raquel e Mauro também se sucediam durante o sono, em amparo ao fortalecimento das deliberações insipientes e temerosas de Gaspar.

Após mais uma noite quase insone, acordou resoluto, esperou anoitecer e se esgueirou para fora do laboratório de refino, buscando um lugar com sinal de internet e com o celular não identificado em seu nome fotografou o mapa e enviou para Acádio de quem tinha o número particular, devido às interceptações feitas pela quadrilha. Como estava próximo do rio, desfez-se do aparelho para não ser rastreado, nem acusado de informante e voltou para a toca. Ficou ali até a polícia chegar.

Inexplicavelmente, dormiu como há tempos não conseguia, sem sobressaltos, sem pesadelos, sob a vigilância de Luigi[2], cuja presença afastava as hostes de Plúmbeo, contrariadas com o rumo do andamento das ações em benefício do clã de Nivaldo.

O dia começava a bordar a barra do horizonte quando os policiais resgataram Fernanda, Nice e os demais e depois estouraram o “laboratório”, efetuando a prisão de Gaspar.


Referências:

[1] Allan Kardec. O evangelho segundo o espiritismo (pp. 171-172). FEB Publisher. Edição do Kindle. Capítulo X, item 17

[2] A trajetória de Luigi está descrita na Novela Julius no livro Riquezas da alma Peregrina da Fergs Editora.

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