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A coragem para ser bom - cap. 4




- Tem algo que quero te dizer, Augusto!

 - Até já sei, patrão – Augusto falava baixo, tinha sensibilidade para saber que estavam lidando com algo perigoso.

Após a saída da infeliz caravana de perseguidores, Nivaldo o chamara ao pequeno escritório da fazenda.

- Os homens viram manchas de sangue e pegadas no galpão e na volta da sede – ajuntou.

- Sim, tu bem sabes daquelas conversas sobre trabalho semelhante à escravidão por aqui, não é? Acho que esses homens estão metidos com isso.

- O que o senhor quer que a gente faça?

- Nada no momento. Acalme os peões e vou dizer para ti, apenas, um dos fugitivos está aqui – Augusto arregalou os olhos e inflou as narinas – Bah!

- Mas não se inquiete, vamos dar um jeito, isso fica entre nós. Ele está naquelas dependências usadas só na safra. Pedi para não se mostrar. Eu vou a cidade investigar alguma coisa e preparar uma denúncia do crime à polícia.

- Patrão, essa gente é perigosa. Podem nos causar dano aqui.

- Eu sei Augusto, mas a lei é a lei. Se nos omitirmos, vamos acobertar o crime e os criminosos. Volte ao trabalho e mantenha a rotina da propriedade.

Nivaldo afastou-se e foi para o lado dos fundos da casa, em direção de onde estava Ramão.

- Seu Nivaldo, eu não quero lhe trazer problemas. O Senhor já fez muito por mim. Me dê uma carona até algum lugar onde eu possa me afastar daqui e sigo o meu caminho.

- Ramão, não pode ser assim. Vocês cometeram crime também, tu tens que te entregar à polícia, ajudar a prender essas pessoas que estão mantendo cativos outros homens. Nós devemos ajudar a sociedade se curar dessas feridas causadoras de violência. Agiste em legítima defesa, isso ficará provado, eu te ajudarei.

- O senhor vai me entregar à polícia?

- Tu vais te transformar em um fugitivo?

- Mas eu não matei ninguém, foi o Vilmarino, eu apenas fugi junto.

- Mesmo assim és cúmplice nas mortes e se silenciares, vais responder por isso.

- O senhor acha que a gente devia aceitar aquela situação?

- Claro que não. A liberdade é um bem inalienável, Ramão. Ninguém pode ser punido por buscar a liberdade. Estou falando de outro bem mais precioso, que é a vida. Vocês todos podem ser absolvidos pelas circunstâncias em que causaram a morte daqueles homens, mas a morte de alguém sempre é um ato que devemos evitar a todo custo. Confia em mim.

- Não sei, não, seu Nivaldo. Estamos lidando com bandidos, gente poderosa e no fim a gente sempre leva o pior.

- Essa ideia é a causadora do crescimento da impunidade, Ramão. Nós temos que ter coragem de enfrentar o mal, ou então o bem nunca vai vencer no mundo.

Nivaldo falava animado por um sentimento de justiça que lhe emprestava força e coragem. Era um homem afeito a essas dificuldades do campo. Viera emigrando de outro estado, envolvera-se também em denúncias de grilagem de terras e mudara-se para salvar a família. Há mais de 15 anos estabeleceu-se naquela região e vivia em paz, mas parece que os compromissos pretéritos com a justiça humana e divina o buscavam novamente.

Ramão estava desconfortável com a conversa e o sentimento de proteção, estabelecido no seu coração, deu lugar à desconfiança e a ideias nefastas a se desenharem na mente. Ficou em silêncio, baixando a cabeça enquanto Nivaldo retomava o assunto dizendo-lhe que iria à cidade verificar quais eram os comentários sobre o ocorrido, mas ele ficasse ali, pois estava seguro.

- Não vou tomar qualquer decisão sem a tua concordância, ao menos por enquanto. Vamos conversar mais sobre esses assuntos. Ramão, “quando os bons não atuam no mundo, os maus tomam conta.”[1]


[1] Referência à questão 932 de O livro dos espíritos

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