A coragem para ser bom - cap. 6
Como se dá com o presidiário perverso, acontece que nem sempre o Espírito aproveita esse momento de liberdade para seu adiantamento. Se conserva instintos maus, em vez de procurar a companhia de Espíritos bons, busca a de seus iguais e vai visitar os lugares onde possa dar livre curso às suas inclinações.[1]
Os benfeitores espirituais Dinah e Pierre cuidavam de Nice, recolhida ao quarto a se deliciar com as cenas picantes de uma série violenta e de conteúdo erótico, exibida em plataforma de entretenimento.
- Observe, irmã Dinah – apontava Pierre – as sinapses da moça.
O olhar afeito da seareira devotada à enfermagem espiritual identificou a profusão de miasmas em formatos horripilantes a se desprenderem de cada conexão neuronal. A mente de Nice expelia ondas que eram, de imediato, captadas por muitas sombras a se moverem na sua ambiência espiritual.
- Acompanhando no plano físico as atitudes, palavras e pensamentos dela não se nota a extensão do comprometimento já estabelecido no psiquismo – aduziu Dinah - pode-se mesmo dizer que é uma jovem de comportamento normal, sem maiores vínculos com os aspectos enfermos da humanidade, mas a ausculta da sua energia fluídica já deixa perceber um largo campo sendo tomado pelas estratégias inimigas da luz, Monsieur Pierre.
- Sim, irmã Dinah, as derrocadas morais se assemelham a enfermidades silenciosas, quando apresentam os sintomas mais pronunciados já se alastraram pelo organismo, corroendo vários órgãos. As sutis engrenagens do perispírito são realidades desconhecidas pelo ser humano, cujo mergulho na matéria densa e o abandono do processo de autoconhecimento, inibem a percepção dos ataques desfechados pela própria conduta ou omissão contra si mesmo. A prescrição da lei divina do que se deve fazer ou deixar de fazer para ser feliz é verdade largamente negligenciada nesse mundo e abre profundas brechas para a contaminação fluídica, combalindo as forças de reação e instalando a normose no cotidiano das criaturas invigilantes.
- Tenho acompanhado Nice – ponderou Dinah – e com mais amparo ao relacionamento atual, iniciado com o dono da fazenda vizinha a de seus pais.
- Sim, Antonio César trará significativas provações a essa família. Nessa noite, durante a reunião com Nivaldo e Fernanda, vamos intuí-los à aproximação com essa alma envolvida em ásperos e danosos plantios, para oportunizar-lhes a influência, no limite das forças dos nossos orientandos, objetivando demovê-la da prática de atos ainda mais nocivos e comprometedores.
Enquanto faziam o diagnóstico das provações da família Cerqueira, os instrutores espirituais efetivavam curativos nas engrenagens psicoespirituais da moça, provocando-lhe o sono no intuito de não avolumar a saturação das formas pensamentos e emanações deletérias originadas pelas cenas, diálogos e conteúdo da produção audiovisual assistida, porém os resíduos da escolha mantiveram Nice atrelada aos comparsas invisíveis que a arrastaram para uma região sombria do mundo espiritual, onde o encontro com Antonio César e outros seres desdobrados pelo sono estabeleciam cumplicidade em infelizes maquinações.
O coordenador da criminosa reunião, um Espírito de aparência bizarra, com indumentárias características dos nossos pampas, mas estranhamente adereçadas com insígnias de outras roupagens, pois trazia condecorações semelhantes às concedidas em fileiras militares, outras características do clero, peças de roupas de congregações secretas, formando uma composição esdrúxula e perturbadora. Não se sabia se era um militar, um padre, um adepto de doutrinas secretas, um feitor, um caudilho, conquanto lembrasse todas essas experiências.
A equipe do venerando amigo Carlos se posicionou de maneira a conter as vibrações do grupo em seu círculo, elevando, em alguns dos comparsas já exaustos, o nível de insuportabilidade com a situação, visando resgates ainda naquela noite, enquanto o benfeitor tomou a palavra, avaliando a figura do líder da reunião.
- Essa projeção da própria imagem é o resultado do culto fanático e da simpatia com ideias de dominação, violência, supremacia pela força, assimilada pela criatura ao longo das suas existências físicas e ampliada na espiritualidade. A admiração plantada por lideranças populistas, bravateadoras, emuladoras de instintos nefastos em seus seguidores, confortando as viciações próprias de cada um, distanciam pouco a pouco o ser do seu propósito existencial – o aprimoramento intelecto moral – e arrastam as suas mentes para o pântano ilusório de filosofias enfermas, cujo objetivo é mantê-las na ignorância e lançar na perversidade esses corações incautos. Preconceitos, discriminação, exclusão, arrogância, vaidade, todas essas facetas do orgulho e do egoísmo formam um caráter transitório – pois todo o mal o é – mas infelicitador para os submetidos a tal situação.
O irmão em lastimável condição espiritual transitou na sua última vida física como uma criatura comum, religioso na aparência, socialmente bem posicionado, contudo em grande mendicância moral por dar abrigo a tantas posturas e ideias contraditórias aos códigos da lei de Deus e, pasmem, muitas vezes a invocava para justificar seus desvios.
Via-se a sutil rede de filamentos quintessenciados a se acoplarem na região do centro coronário da entidade ao mesmo tempo em que se foram projetando para a equipe de atendentes as imagens selecionadas pelos técnicos de pesquisa dos arquivos no corpo sutil.
- Observem as cenas - retornou Carlos à conversação – conhecem esse lugar? – sim, isso mesmo – ele respondeu - é um dos inúmeros tribunais na Terra, onde o nosso amigo atuou por décadas, envergando a toga da justiça, dizendo o direito e usando a respeitável oportunidade de transitar pelos caminhos destinados a pacificar as relações humanas. No entanto as escolhas feitas foram bem diferentes do juramento prestado, e embora nunca punido pelas corregedorias terrenas ou denunciado pelos seus pares, alguns deles comparsas, também, hoje se chafurda no lodo que plasmou e ainda o locupleta. A diferença entre a vida nos dois planos é a aparência, pois no mundo material ela se compra e se compõe, na realidade espiritual só a mente livre e pura pode criar. Vive ele nas sombras que edificou. A corrupção, as propinas, o prejuízo causado a tantos inocentes, o acumpliciamento com poderosos corruptos rendeu-lhe o patrimônio deixado na Terra e a miséria trazida para o além-túmulo. Não despertou, ainda, e estimula esses infelizes aqui seduzidos pelas suas emanações enganosas a persistirem no erro até que a consciência acorde sob o aguilhão da dor.
Silenciou o benfeitor, convidando a equipe a analisar a conversa do infeliz grupo.
No centro da pequena reunião estava Antonio César a quem se dirigiam os estímulos do líder da falange trevosa.
- Contamos contigo, vamos dominar a região, seremos os poderosos e traremos para os nossos campos de suplício todos os que se opuserem a esses planos. Começaremos pela casa do dissimulado Nivaldo – Ah! quem não o conhece – Ainda vamos descobrir a sua fraqueza – Não acredito nessas pantomimas de autoridade moral, ele vai cair, é só esperar. Não arrefeça o cerco sobre ela.
Nice, em desdobramento pelo sono, com as imagens sensuais arquivadas na mente adentrou a sala em postura provocante, dirigindo-se a Antonio César que a abraçou com força, iniciando ali um lamentável jogo de sedução que foi aplaudido pelos presentes, excitados com as cenas.
- Vamos agora auxiliar Nivaldo e Fernanda – disse Carlos após lançar as últimas essências fluídicas no ambiente – pois aqui ainda teremos longos processos de sofrimento até que essas almas se demovam das suas intenções malsãs.
Referência:
[1] KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo (Portuguese Edition) (p. 349). FEB Publisher. Edição do Kindle. “Coletânea de preces espíritas”, item 38.
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