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A criança com deficiência visual e suas relações com o outro social



A criança com deficiência visual é, ainda hoje, normalmente apontada como alguém exclusivamente passivo e dependente, tendendo a ser fragmentado motora, cognitiva, afetiva e socialmente. Sua individualidade e o direito à diferença nem sempre são por ela plenamente vivenciados, pois o outro social geralmente toma para si a tarefa de enredá-la ainda mais no desconhecimento de si mesma e do seu ambiente circundante: situação que provavelmente aconteça devido uma possível falta de informação das possibilidades da criança e das implicações da deficiência visual a ela trazidas no que diz respeito à necessidade de adaptações e de utilização de vias alternativas desenvolvimentais para sua construção como sujeito.

A prática de fixá-la em processos interativos prévia, mítica e culturalmente condicionados ou em imensas e profundas redes de tristeza e monotonia é também usual, possivelmente pela consideração de que sua cegueira ou baixa visão sejam as únicas determinantes producentes destes sentimentos e mecanismos. A tendência de engavetá-la sempre no processo de expiação pode trazer repercussões na autoestima, não sendo considerado que algumas vezes pode ser uma situação de prova e, antes de tudo, uma oportunidade de melhoramento moral e intelectual.

No entanto, uma ação fundamentada no conhecimento sobre a existência de diferenças quantitativas e qualitativas presentes nos diversos níveis de deficiência da visão e os acontecimentos vivenciados pela criança em sua unidade cultural podem exercer modificações radicais na forma de interação. A diferenciação da natureza da deficiência visual como congênita ou adquirida, também constitui importante conhecimento, uma vez que o ritmo e a forma da organização desta criança podem acontecer divergentemente ou apresentar modificações significativas em relação às demais crianças com ou sem deficiência.

O reconhecimento e o respeito desta singularidade infantil consistem, contudo, uma tarefa muitas vezes difícil porque este outro social, quando representado pela figura parental ou algum familiar de apego, pode frequentemente desorganizar-se e fragilizar-se diante da deficiência visual da criança. Perdidos e cristalizados na espera de uma criança sonhada ou até então presente nas expectativas de outro ciclo vital, os pais e demais figuras de apego precisam, talvez desde o ato obstétrico desta criança, do suporte informativo e articulador do profissional habilitado para seu desempenho e exercício e igualmente a presença do esclarecimento e orientação doutrinários do espiritismo muito auxiliam.

A ocorrência de uma espécie de anestesia das funções parentais diante da realidade do comprometimento visual da criança é algo bastante comum, as quais ficam muitas vezes restritas somente aos cuidados fisiológicos e a ela um lugar simbólico na família e na cultura não é atribuído. Assim, acreditamos que a qualidade da estrutura na qual está respaldada a formação da rede familiar consiste o grande referencial e determinante para que comportamentos e posturas sejam adotados diante de situações inesperadas e carentes de mudanças caso exista uma inadequação comportamental naquele núcleo em relação à cegueira ou à baixa visão da criança. Neste aspecto, hábitos de autonomia, o direito ao erro-acerto e à realização de atividades dentro de um ritmo diferente não serão conquistados pela criança, se o comportamento familiar permanecer não receptível às mudanças necessárias e aos entendimentos adequados de sua condição visual.

Necessário é o entendimento e o reconhecimento de que sua autonomia está traduzida por meios próprios de apreensão do mundo e todos devem conhecer seus limites, potencialidades, fantasias e desejos.

Primeiramente, não é possível estabelecer generalizações, pois existe uma variabilidade interindividual no ritmo e qualidade do desenvolvimento infantil, ocasionada por uma conjunção de fatores de caráter etiológico, familiar, cultural, educativo, social e individual agregados à condição de deficiência visual. Então, é importante o entendimento basilar quanto ao próprio significado e lugar que damos à criança. Olhada e localizada no imaginário e no contexto social nos parece, então, sensato incluir e relacionar o fenômeno cegueira ao cotidiano da construção deste sujeito infantil e a forma como é negociado o seu estar em um ambiente visual.

Nem sempre, porém, esta criança tem efetivamente o seu lugar atribuído e ocupado: muitas são as vezes e os motivos que a relegam para o vácuo, para o lugar do nada onde o nada a ela é oferecido e desejado. Um nada que temporária ou permanentemente a preenche e é preenchido por ela e por um discurso médico, diante da insuficiência dos seus pais ou tutores para lidar com a diferença trazida pelo comprometimento visual e com os acidentes orgânicos e desenvolvimentais desencadeados muitas vezes por este comprometimento.

Neste emaranhado de sentimentos e dúvidas, o outro social enreda-se e despropositadamente pode aprisionar a criança no seu desconhecimento de como lidar com ela e primordialmente com sua insuficiência, como se ela fosse a singularidade desta falta e a representação da incapacidade ou da inabilidade para o inter-relacionamento dos atores sociais da unidade de pertencimento diante do fenômeno cegueira ou baixa visão.

A Evangelização infanto-juvenil, desde a condição de bebê, contribui muito para a reorganização do olhar dos pais e responsáveis pela criança. Para tal, entretanto, o evangelizador precisa compreender e aceitar que a criança cega ou com baixa visão necessita de um método diferenciado para estabelecer sua aprendizagem, pois ela explora o detalhe antes de entender o todo, o fluxo segue o simples para o complexo. A contextualização assume grande importância, seja na sua maturação quanto na sua ampliação psicológica (cognição, afeto, interação social).

O estabelecimento de comparações com aquela normovisual devem ser evitadas. Seus desejos e interesses precisam ser percebidos e considerados, tanto quanto seu ritmo de exploração e conhecimento deve ser respeitado porque sua lentidão inicial equivale ao tempo necessitado por ela para o conhecimento do objeto dentro de um processo de abstração.

A apreensão e a abstração do mundo constituem para a criança congenitamente cega ou com baixa visão atividades que dela exigem um grande poder dedutivo, pois ela precisa integrar e sintetizar as informações recolhidas do ambiente a partir dos demais sentidos remanescentes (audição, tato, olfato e mesmo a visão quando existe algum resíduo que garanta uma certa acuidade visual).

Outros fatores desenvolvimentais ainda existem, mas prioritariamente é preciso olhar para a criança cega ou com baixa visão como alguém com possibilidades e em processo evolutivo espiritual como qualquer outra pessoa.

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