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Alerta sobre a pesquisa espírita




Vinícius Lima Lousada[1]

 

É necessário aliar os conhecimentos teóricos ao espírito de investigação e à elevação moral, para estar verdadeiramente apto a discernir no Espiritismo o bem do mal, o verdadeiro do falso, a realidade da ilusão.(...) - Léon Denis[2]

  

O 2º Congresso Espírita Internacional de Paris realizou-se de 06 a 13 de setembro de 1925. Há quase cem anos atrás, portanto, os espíritas do mundo interessados no progresso da ciência espírita e espiritualistas, voltados às pesquisas psíquicas, reuniam-se sob a égide da Federação Espírita e Espiritualista Internacional em Paris para um encontro repleto de apresentação de pesquisas, teses doutrinárias e sessões de divulgação do Espiritismo. Segundo Seth (2024)[3], este Congresso contou com a presença de dois luminares do Espiritismo na França: Gabriel Delanne, que desencarnou em 1926, e Léon Denis, que partiu da Terra em 1927.

Depois, Léon Denis publicou um artigo na Revista Espírita de novembro/dezembro de 1925, com considerações sobre a pesquisa em torno dos fatos espíritas, intitulado "Após o Congresso: questões experimentais”[4]. Recordemos que o aspecto experimental do Espiritismo, consoante Allan Kardec, dizia respeito ao estudo ligado aos fenômenos espíritas e à mediunidade.

A produção literária de Léon Denis, cabe lembrar, transita de aspectos filosóficos do Espiritismo aos experimentais, com tranquilidade, sem deixar de destacar nunca as suas implicações morais ou religiosas. Vale lembrar que Denis era um operário autodidata que se tornou exímio estudioso, filósofo e divulgador do Espiritismo, experimentado pelas lutas da vida, suas leituras e nas atividades dos grupos espíritas em que participou, especialmente em Tours.

No artigo destacado, Léon Denis escreve considerando o programa de debates apresentado no Congresso como um dos mais complexos, pois que a organização dos mesmos não permitiria o devido aprofundamento. Desta forma, o filósofo decide-se por recorrer à Revista Espírita para dizer o que compreendia ser ainda apresentado em torno da denominada experimentação psíquica.

De início, o ilustre pensador refere-se aos escolhos pertinentes aos fenômenos espíritas que demandam dos interessados conhecimento e prudência, o que evoca-nos à memória o bom senso kardequiano: a postura ajuizada de análise desapaixonada que precisamos ter, inspirados no mestre de Lyon, com tudo o que diz respeito às relações entre o mundo corpóreo e o mundo dos Espíritos. Alerta que, nada obstante o estudo dos fatos espíritas possam alegrar ao coração, ele também pode trazer dissabores causados pela imprudência e ignorância, vindo a resultar em terríveis obsessões.

Denis indica aos lidadores da pesquisa espírita uma obviedade necessária até para os nossos dias: os Espíritos, agentes das manifestações mediúnicas, são seres pensantes, dotados de vontade própria e os fenômenos espíritas obedecem uma ordem natural de coisas, cujas leis reveladas por Allan Kardec demandam compreensão para as investigações psíquicas obterem algum êxito e proveito moral. Daí ser importante, auscultar, na comunicação com os Espíritos a sua condição evolutiva em conformidade à Escala Espírita, que o codificador considerava a chave da Ciência Espírita, vejamos:

 

Com o auxílio desse quadro será mais fácil determinar a ordem e o grau de superioridade ou de inferioridade dos Espíritos com os quais podemos travar relações e, por conseguinte, o grau de confiança e de estima que merecem. É, de certo modo, a chave da ciência espírita, pois só ele pode explicar as anomalias que as comunicações apresentam, esclarecendo-nos sobre as desigualdades intelectuais e morais dos Espíritos.[5]

 

Os Espíritos apresentaram a Kardec três ordens gerais, não estanques, de classificação dos mesmos segundo o seu grau de adiantamento, imperfeições a superar e virtudes conquistadas. Cada ordem guarda algumas categorias, que convidamos o leitor a compulsar no momento oportuno, todavia, gostaríamos de voltar às considerações de Léon Denis às atividades práticas do Espiritismo, especialmente, quando de caráter investigativo.

Denis tinha a clara percepção de que dois grupos se alinhavam à pesquisa dos fenômenos psíquicos, com matrizes teóricas distintas: os psiquistas e os espíritas. Os primeiros eram experimentadores, normalmente advindos do ambiente acadêmico, norteados pelo paradigma científico em vigor e se constituíam em céticos. Já, outros, os espíritas, eram dotados de crença nos Espíritos, procuravam adotar as bases científicas do Espiritismo estabelecidas pelo notável Allan Kardec, considerando os aspectos particulares que cercam a fenomenologia espírita que a distingue de modo muito contundente de outros fenômenos naturais, de ordem material, e da alçada da comunidade científica, tradicionalmente.

Desse modo, o desconhecimento das particularidades do fenômeno mediúnico, para Denis, se constituiria num percalço muito evidente no caminho das pesquisas não-espíritas. Para o autor, a fim de que a ciência progredisse quando voltada a esta ordem de fenômenos, precisaria caminhar na direção do idealismo, em contraposição ao materialismo que se fazia vigente, para extrair de seu estudo resultados qualificados.

Destaca ainda, o autor, que as pesquisas psíquicas daquele momento, muito voltadas às comunicações de ordem material, causavam situações penosas aos médiuns em razão da condição dos Espíritos que acabavam por ser atraídos para tais experimentos. Seria, segundo ele, necessário estabelecer alguma proteção, somente advinda em fenômenos de caráter inteligente e com fins nobres, cuja a intenção e a condição moral de médiuns e investigadores deveriam ser levadas em conta. Referia-se o filósofo à assistência espiritual granjeada nas reuniões espíritas sérias, onde havia a intenção sincera de fazer o bem, o conhecimento dos ditames relativos ao exercício da mediunidade e a religiosidade necessária no trato com o mundo invisível, com total desinteresse material e moral. Observemos que muitos pesquisadores não-espíritas utilizavam médiuns pagos, o que segundo o Espiritismo, desqualifica o fenômeno em termos de sintonia espiritual e não se tinha - não temos - melhores recursos para a pesquisa sobre a vida no Além do que os médiuns. Contudo, como lembra Denis:

 

“Para que um indivíduo receba os eflúvios de ordem superior, é preciso que sua entrega seja completa, sob o ponto de vista moral e físico. Com o médium profissional, não se obtém fenômenos de real elevação. O polo que ele representa no sono não convém às forças superiores do Espaço.”[6]

 

Mas, para acolher as indicações da Ciência Espírita, os cultores da ciência materialista aplicada aos fenômenos espirituais precisariam de um tal lastro de humildade, incomum no ambiente acadêmico contemporâneo a Léon Denis, para se abrirem a outras perspectivas metodológicas que não as cartesianamente adotadas, até então, no meio científico, muito frágeis ante a diversidade dos fenômenos psíquicos cujas leis Kardec sistematizou tão bem em O Livro dos Médiuns.

Finalmente, compreende-se do alerta trazido pelo artigo em estudo que, até para os estudos experimentais do Espiritismo, é preciso uma boa-vontade esclarecida pelo conhecimento das leis que regem as relações do mundo corpóreo com o mundo dos Espíritos, fé alicerçada em nobres valores que sustentem o intercâmbio salutar entre os dois mundos e o propósito de elevação de alma, de pesquisadores e médiuns, tendo em vista o aproveitamento do fenômeno para o engrandecimento moral da criatura humana, estimulado na certeza da imortalidade da alma. Isso vale para os pesquisadores ao tempo de Denis e para todos nós em nossas atividades de caráter mediúnico.


Referências:

[1] Vice-Presidente Doutrinário da Fergs.

[2]  DENIS, Léon. No invisível.

[3] Bastos, Carlos Seth. Espiritismo sob investigação. CCDPE-ECM Editora. Edição do Kindle, 2024,p. 87.

[4] FLAMMARION, Camille, DELANNE, Gabriel; Denis Léon. Somos pequenos deuses na Terra. Thiago Barbosa da Silva. org. João Sérgio Boschirolli. trad. Niterói: Editora Fráter, 2020, p. 355-370.

[5] Kardec, Allan. O livro dos espíritos (p. 113). FEB Publisher. Edição do Kindle, questão 100.

[6] FLAMMARION, Camille, DELANNE, Gabriel; Denis Léon. Somos pequenos deuses na Terra. Thiago Barbosa da Silva. org. João Sérgio Boschirolli. trad. Niterói: Editora Fráter, 2020, p. 364-365.

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