Chico Xavier: um dos belos traços do Espiritismo
Vinícius Lima Lousada[1]
Como ainda estais longe da perfeição, esses exemplos vos espantam pelo contraste e os admirais tanto mais, quanto mais raros são. Ficai sabendo, porém, que, nos mundos mais adiantados do que o vosso, o que entre vós constitui exceção, lá, é a regra. Neles, o sentimento do bem é espontâneo em toda parte, porque são habitados somente por Espíritos bons. Ali, uma só intenção maligna seria monstruosa exceção. Eis por que, nesses mundos, os homens são felizes. Assim se dará na Terra, quando a Humanidade se houver transformado e quando compreender e praticar a caridade na sua verdadeira acepção.[2]
Recentemente, tive o ensejo de assistir Chico Xavier: a série, disponível no serviço de streaming Disney Plus, produzida pela Cinética Filmes e dirigida por Wagner de Assis. Lançada no ano passado e organizada em seis episódios, a série apresenta depoimentos de parentes, amigos, admiradores e companheiros de tarefa a respeito do médium mineiro, tão querido em nosso país e portador de uma vasta produção literária mediúnica, repleta de narrativas do mundo espiritual, poemas, poesias, crônicas, mensagens instrutivas e consoladoras, interpretações bíblicas, enfim, um conjunto de obras com ensinamentos doutrinários embasados no legado filosófico de Allan Kardec.
A série converge o olhar das pessoas para Francisco Cândido Xavier enquanto médium, espírita, ser humano interexistencial, como referiu Herculano Pires[3], voltado à caridade em suas diversas formas de manifestação durante a sua reencarnação. O relato é rico, emocionante e bem fundamentado, vale assistir pois, além de ser instrutiva, a série envolve a nossa sensibilidade junto às vivências de Chico Xavier, apresentando-nos a elevada mensagem do valor moral da prática do bem desinteressado.
Allan Kardec, ao empreender a Viagem Espírita em 1862 ficou muito sensibilizado pelo que pôde ver e registrar em torno dos avanços do movimento espírita nascente e, nesse sentido, fez referência ao que ele chamou de belos traços do Espiritismo. Vejamos do que se trata através das palavras dele mesmo:
Vimos transformações que poderiam ser rotuladas de miraculosas; recolhemos admiráveis exemplos de zelo, de abnegação e de devotamento, numerosos casos de caridade verdadeiramente evangélica que poderíamos, com justiça, denominar: os belos traços do Espiritismo.[4]
Logo, compreende-se que com a expressão belos traços do Espiritismo, Kardec se refere às pessoas que ao adotarem o Espiritismo como filosofia de vida se modificaram moralmente e desenvolveram exemplos dignos de observação quanto ao zelo (cuidado ou responsabilidade) entregue à Causa Espírita, em pleno florescimento inicial, à abnegação (renúncia) instituída na própria conduta, assim como, às atitudes de devotamento (dedicação) e caridade (benevolência, perdão e indulgência) coerentes com o espírito do Evangelho.
Podemos dizer que Chico Xavier, assim como outros dedicados companheiros do movimento espírita de ontem e de hoje, corporifica em sua trajetória o exemplo dado pelos belos traços do Espiritismo em razão de ter vivido as virtudes nomeadas nos registros de viagem de Kardec. É o que se depreende das biografias do médium e obras bem fundamentadas, como no caso de Testemunhos de Chico Xavier, escrita pela talentosa escritora espírita e sua amiga Suely Caldas Schubert, publicada pela Federação Espírita Brasileira. Lembra-nos a ilustre autora, referindo-se ao amigo: “Enxugar lágrimas, estender a mão aos aflitos, amenizar os dramas pungentes do próximo, devolver o sorriso aos velhinhos, aos órfãos, aos que perderam os entes queridos - esse o caminho que escolhera!”[5]
Chico Xavier tinha zelo pela Doutrina Espírita. Recolhemos esse cuidado não somente no valor doutrinário de suas obras sob a direção espiritual de Emmanuel, mas, igualmente, pelo fato de que colocava a sua produção mediúnica sob análise, como no caso dos originais que entregava à Federação Espírita Brasileira, como relata a autora na obra acima, de sorte que o médium aguardava serenamente a crítica e correções de seus editores em relação aos textos enviados. Seu zelo se manifestava com tal fidelidade a Jesus e a Kardec que jamais situou as obras que receberia acima das obras fundamentais da Doutrina Espírita, pelo contrário, sua produção mediúnica tinha por ponto de partida as bases seguras que nos foram entregues pelo codificador do Espiritismo.
Chico Xavier vivenciara, com excelência, a abnegação. Isso é notório na renúncia aos direitos autorais dos livros por ele psicografados, nada obstante a ética espírita recomende isso mesmo, pois a mediunidade não deve ser tomada como meio de produção de proventos, privilégios materiais ou de qualquer espécie. Não se vê, em sua trajetória, preocupação com os primeiros lugares pois a certeza da imortalidade lhe conferiu, ao lado do caráter burilado pelo amor ao próximo, a compreensão de que a mediunidade deve ser exercida religiosamente, em prol da elevação espiritual das criaturas.
Chico Xavier era um espírita devotado, ocupado diariamente com os labores do Espiritismo. Quando era funcionário público, as atividades espíritas ocupavam o seu tempo livre e, como narram os seus mais diversos biógrafos, ia às madrugadas no atendimento aos sofredores dos dois planos da vida. Quando aposentado, a sua dedicação ao bem através dos serviços espíritas direcionados ao esclarecimento e ao consolo era exercida de forma integral.
Chico Xavier fez da caridade seu lema existencial. Extensa rede de benevolência para com o próximo foi erguida a partir de seu mediunato onde as pessoas sensibilizadas pelos seus exemplos iniciavam atividades de assistência e promoção social espírita em diferentes regiões do Brasil, ao ponto do Espiritismo em nossa terras ficar muito caracterizado, pelo senso comum, pelas obras sociais que se materializaram, inclusive com a sua orientação.
O perdão aos adversários, perseguidores ou amigos ineptos se evidenciara no silêncio e na sua disposição de servir. Era alguém que cultivava a amizade pura e simples emoldurada na fraternidade cristã, não cultivava inimigos.
Jamais se soube, no capítulo da virtude da indulgência, que Chico Xavier tenha se escandalizado ou jogado pedras no caminho daqueles que se equivocaram moralmente. Pelo contrário, depreende-se de sua trajetória que esforçava-se por erguer os caídos, educando pelo exemplo de retidão e pela mansuetude que o caracterizava.
Meus amigos, nestes dias desafiantes em que a insensatez invade até mesmo os ambientes dedicados à espiritualização do ser, inspiremo-nos neste belo traço do Espiritismo no Brasil, o nosso irmão Chico Xavier, e sirvamos sem cessar.
Referências:
[1] Vice-presidente de Unificação da Fergs.
[2] KARDEC, Allan. O livro dos espíritos (p. 511). FEB Publisher. Edição do Kindle, questão 894.
[3] PIRES, Herculano; XAVIER, Francisco Cândido. Na Era do Espírito. Espíritos Diversos. São Bernardo do Campo/SP: GEEM, 1973.
[4] KARDEC, Allan. Viagem Espírita em 1862 (Traduzido) (p. 20). Casa Editora O Clarim. Edição do Kindle.
[5] SCHUBERT, Suely Caldas. Testemunhos de Chico Xavier. 3.a. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1998, p. 416.
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