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Daniel Dunglas Home e a consagração da mediunidade: mensagem para o hoje



João Paulo Bittencourt Cardozo


No primeiro ano de edição da Revista Espírita, Allan Kardec escreveu uma série de três artigos sobre Daniel Dunglas Home (1833-1886), finalizada na edição de abril de 1858 (1). Recentemente chegado à Europa, provindo dos Estados Unidos, então ainda um jovem de 25 anos, Home vinha conquistando inigualável notoriedade enquanto médium, em sessões nas quais se produziam impressionantes fenômenos de efeitos físicos à vista de diversas pessoas. As décadas seguintes haveriam de revelar em Home o primeiro dos grandes médiuns contemporâneos com uma missão voltada à edificação da Humanidade, por meio da prova da imortalidade do Espírito. E os ecos de sua vida ainda importam aos dias de hoje.

Home, que não era espírita, foi um médium apto a produzir a mais variada gama de fenômenos. Como destacou Kardec no primeiro dos três artigos, ele produzia manifestações ostensivas, sem excluir as manifestações inteligentes. “Sob a sua influência, ouvem-se os mais estranhos ruídos, o ar se agita, os corpos sólidos se movem, levantam-se, transportam-se de um lugar a outro no espaço, instrumentos de música produzem sons melodiosos, seres do mundo extracorpóreo aparecem, falam, escrevem e, frequentemente, abraçam até causar dor. Na presença de testemunhas oculares, muitas vezes ele mesmo se viu elevado no ar, sem qualquer apoio e a vários metros de altura”.

Arthur Conan Doyle dedicou a Daniel D. Home o Capítulo 9 de seu “A História do Espiritualismo” (2). Registrou que “Poucas são as faculdades que denominamos ‘mediúnicas’ e São Paulo designa como ‘dons do espírito’ que Home não possuísse. De fato, a característica de sua força psíquica era a invulgar versatilidade. Em geral, falamos sobre o médium de voz direta, o que fala em transe, o clarividente e o médium de efeitos físicos. Home era portador dessas quatro modalidades”. A levitação, sob a presença de testemunhas, foi registrada mais de cem vezes. “Tais faculdades provavam a todos que examinassem seus efeitos a existência de algo na atmosfera desse homem, possibilitando a manifestação, no plano material, de forças que estavam fora do alcance de nossa percepção ordinária.  Em outras palavras, era médium: o maior do mundo moderno, no campo dos efeitos físicos”.

Home foi também dos primeiros médiuns que tiveram as faculdades esquadrinhadas em laboratório, objeto de minuciosos estudos científicos. Deolindo Amorim (3) recorda ter ele sido submetido “(...) às provas mais rigorosas, tendo passado pelas observações mais insuspeitas, sob a direção de homens de indiscutível envergadura científica, como WILLIAM CROOKES, W. BARRET, LYNDSAY e outros, Home deixou provas inapagáveis nos anais da literatura mediúnica”. Conan Doyle, no capítulo dedicado às pesquisas de Sir William Crookes (4), também menciona os rigorosos exames a que submetida a mediunidade de Home, por este que foi personalidade de grande projeção no mundo da ciência.

Mas o diálogo de Daniel Dunglas Home com a atualidade parece repousar mais nos caracteres morais deste médium, e na consciência da missão que desempenharia na edificação da Humanidade, do que em suas notáveis faculdades mediúnicas ostensivas. Afinal, o período das manifestações físicas que objetivavam chamar a atenção – que se estendeu aproximadamente nos primeiros cem anos, até a década de 1950 - foi, segundo São Luís em “O Livro dos Médiuns” (5), o preâmbulo da ciência, que veio antes dela, e foi sucedido “(...) da filosofia, da sabedoria e da caridade que brilham nas comunicações sérias”.     

Allan Kardec, em seus artigos na Revista Espírita (‘op. cit.’), já divisou no jovem Home qualidades como a humildade, o desinteresse e a consciência de sua responsabilidade. “Se tivesse vindo com propósitos especulativos, teria corrido o país, lançando mão da propaganda em seu auxílio; teria procurado todas as ocasiões de se promover, enquanto as evita; teria estabelecido preço às suas manifestações, contudo, nada pede a ninguém. (...) Diversos fatos íntimos, de nosso conhecimento pessoal, provam os seus sentimentos nobres e uma grande elevação de alma (...)”.

Conan Doyle (‘op. cit.’) recordou a passagem da mulher de sobrenome Webster, de Florença/Itália, que declarou ser Home o mais admirável missionário dos tempos modernos, engajado na maior de todas as causas. “O bem que tem feito é inestimável. Quando o Sr. Home passa, espalha, em seu derredor, a maior de todas as bênçãos: a certeza da vida futura”. Doyle destacou que o médium levou esta certeza ao mundo inteiro. Kardec (‘op. cit.’) acrescentou que a presença de Home na França foi um poderoso auxiliar para a propagação das ideias espíritas e, se não convenceu a todos, lançou sementes que frutificariam tanto mais quanto mais se multiplicassem os próprios médiuns.   

Daniel Dunglas Home, que deu início à sua caminhada antes mesmo da Codificação Espírita, é o primeiro médium missionário moderno, tendo dedicado a vida a espalhar a consolação à Humanidade, provando a imortalidade. 

E a mensagem que ele remete aos trabalhadores voluntários de hoje diz com a necessidade de verdadeiro desinteresse no serviço ao próximo, quando a ele ofertamos um dom que recebemos de Deus. Afirmou Home, em palestra em Londres em 15/02/1866 (6), que a força de que era intermediário nos ensina “(...) que os puros de coração verão a Deus, que Deus é amor, e que não há morte; aos idosos, traz consolação (...); aos jovens, fala do dever que temos uns para com os outros e que colheremos como houvermos plantado; a todos ensina resignação, vem dissipar as nuvens do erro e descortinar a manhã radiante de um dia sem fim”.

Já aos missionários atuais, trabalhadores ditos de maior “envergadura”, o lembrete, escudado em sua própria vida, da precaução quanto às glórias e interesses do mundo. Falando sobre aquilo de que Home soube bem se precaver, Deolindo Amorim (‘op. cit’) apontou o trágico de quando um médium - o que serve perfeitamente a um orador ou a uma liderança - “descamba para o misticismo exagerado e chega ao extremo de se julgar um ‘iluminado’, um ‘messias’, um ser à parte no quadro da natureza humana.  Chegado a este ponto, pouco falta para cair no abismo”.

Vivendo tempos em que tantos parecem à beira de abismos, como o da venda dos dons na exploração de corações frágeis, dos "gurus de ocasião" e "teologias" da prosperidade, o abismo da radicalização em nome da política mundana e o fosso do personalismo que se apropria de instituições e abusa da boa fé de pessoas simples, recordemos Daniel D. Home que, humano e não isento de defeitos, cumpriu a sua missão pioneira com desinteresse e humildade. 

            

Referências:


(1) Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos: Ano primeiro – 1858/publicada sob a direção de Allan Kardec; [tradução de Evandro Noleto Bezerra; (poesias traduzidas por Inaldo Lacerda Lima)]. – 4. Ed. – Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2005, p. 99-106, 143-148 e 188-191.

(2) A história do Espiritualismo: de Swedenborg ao início do século XX / por Arthur Conan Doyle; [tradução de José Carlos da Silva Silveira]. 1 ed. 1. Imp. – Brasília: FEB, 2013, p. 161-182.

(3) AMORIM, DEOLINDO, 1906-1984. HOME E O ESPIRITISMO. In RELEMBRANDO DEOLINDO – II / Deolindo Amorim, organização José Jorge. – Rio de Janeiro: CELD, 1994, p. 45-50.

(4) ‘Op. Cit.’, p. 199-217

(5) “O Livro dos Médiuns” / Allan Kardec; tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa.  Araras, SP, IDE, 63ª Edição, 2002, p. 431.

(6) Conan Doyle, ‘op. cit.’.

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