Entrelaçamento entre pertencimento e inclusão
Sonia Hoffmann
A necessidade de valorização e a importância de alguém sentir-se pertencente ao espaço familiar, social e institucional são extremamente profundos e se encontram em nossa essência humana. Esta ação, por tal motivo, precisa ser analisada e refletida com bastante cuidado a fim de equívocos não se solidificarem por meio de práticas pouco ou nada condizentes ao seu verdadeiro sentido na perspectiva inclusiva, especialmente quando alguém se refere includente quando, na verdade, age e reage de modo integrativo.
É insuficiente o entendimento de que pelo fato de uma pessoa estar presente ou interagindo em um determinado espaço, já significa que ela sinta-se fazendo parte da sua dinâmica. Da mesma maneira, não basta a elaboração de algumas estratégias pretensamente apropriadas quando ela já recebe tudo pronto, não é ouvida e acolhida em suas peculiaridades, sem, muitas vezes e fundamentalmente, ter a oportunidade de se expor ou tomar decisões cruciais para seu real engajamento. As consequências deste conjunto de procedimentos podem causar uma falsa sensação de pertencimento e mesmo contribuir para o não desenvolvimento eficiente da autoestima e da capacidade de decisão de quem se encontra em alguma fragilidade.
A pessoa, ao ser inserida, não implica necessariamente ela estar ou perceber-se incluída. Uma lacuna ou um vazio preenchido pelo silêncio não reflete com exatidão o seu contentamento e satisfação, pois sua frustração, desmotivação podem se ocultar, embora com excesso de atividades - ainda mais quando ela se manifesta para ser chamada a esta atividade e não espontaneamente convidada. Uma situação muito triste e deprimente para alguém com deficiência/diferença é não se sentir naturalmente escolhida, olhada, visitada, convidada porque ela se dá conta de estar em um círculo de pseudopertencimento.
A maioria das pessoas, como apresenta Brené Brown (2012), entende pertencimento como sinônimo de alguém estar ajustado a um determinado grupo, instituição ou organização, por mais que saiba lutar por aprovação e comportar-se como um camaleão para ser aceito, escolher palavras adequadas. Segundo esta autora, ajustamento e pertencimento não são a mesma coisa e nem a mesma dimensão; na verdade, o ajustamento atrapalha e dificulta o pertencimento. Ajustamento, no excelente entendimento, é avaliar uma situação e tornar-se a pessoa necessária para ser aceita. Pertencimento, por sua vez, não exige ou requer que mudemos quem nós somos; ele exige exatamente que sejamos quem somos.
Na ânsia de aceitação, com frequência, deseja-se satisfazer as solicitações e demandas alheias sem estas serem exatamente aquelas interiormente desejadas. Neste momento, alguém com deficiência/diferença, não por ser imaturo e sim por vislumbrar, esperar ou encontrar no ajustamento a chance de conquistar a aprovação integral e uma possível interação sadia no futuro, se utiliza deste recurso mesmo consciente dele ser uma barreira para sua plena e atual satisfação. Assim, aceita a integração, tão relacionada ao ajustamento porque percebe que precisa se moldar ou normalizar de acordo com os padrões apresentados, em detrimento da inclusão, vinculada ao pertencimento, que é um processo justo, coerente e qualifica a diferença como uma outra possibilidade de realizar-se ou fazer algo.
Contudo, cabe salientar que o fato de alguém tentar ignorar uma situação desfavorável nem sempre significa exatamente ultrapassar, amenizar, superar ou eliminar tal condição. Só e realmente conseguimos pertencer quando nos autorizamos e oferecemos, seja a quem for, nosso eu autêntico. Então, cada um será verdadeira e inclusivamente aceito por aquilo que é e não pelo que os outros julgam ser (subestimado ou excessivamente valorizado).
Neste sentido, Joanna de Ângelis (2005), na obra Conflitos existenciais, enfatiza: "jamais se agradará a todos os indivíduos. Os padrões de preferência variam ao infinito, nas pessoas que constituem a Humanidade. Há uma diferença muito expressiva de óptica emocional, de interesses, de comportamentos, de aptidões, mesclados aos sentimentos nobres, como inferiores, que influem na análise de cada objeto, pessoa ou acontecimento.
Como se está visto, assim também se vê. Como se está analisado, da mesma forma se analisa. Essa diferente gama de observações no conjunto se organiza em um painel de comportamento geral. Muito saudavelmente age aquele que está em permanente esforço para ser melhor, para conquistar novos patamares, reunindo os tesouros da autoiluminação. Esse não teme obstáculos, não receia os outros, nem se teme" (p.149).
Em continuidade a este raciocínio, encontra-se em outros apontamentos feitos por Joanna de Ângelis (2014), em outro livro, o quanto o cansaço e a fadiga podem surgir e as resistências se esgotarem. Assim, "o ser consciente deve trabalhar-se sempre, partindo do ponto inicial da sua realidade psicológica, aceitando-se como é e aprimorando-se sem cessar. Somente consegue essa lucidez aquele que se autoanalise, disposto a encontrar-se sem máscara, sem deterioração. Para isso, não se julga, nem se justifica, não se acusa nem se culpa. apenas descobre-se. À identificação segue-se o trabalho da transformação interior para melhor, utilizando-se dos instrumentos do autoamor, da autoestima, da oração que estimula a capacidade de discernimento, da relaxação que libera das tensões, da meditação que faculta o crescimento interior. O autoamor ensina-o a encontrar-se e desvela os potenciais de força íntima nele jacentes" (p.8).
Portanto, a plenitude contida no pertencimento, em concordância com os pressupostos filosóficos de inclusão, precisam ser convenientemente decodificados, examinados e adotados tanto por quem apresente a deficiência/diferença quanto por quem considera-se, enganosamente, imunizado ou em vantagem por não estar vivenciando intensamente alguma forma de melhoramento moral e intelectual pela expiação, prova ou missão. Vulnerabilidades, em alguma medida, ainda são marcas presentes em todas as pessoas no atual estágio evolutivo. Absolutamente todos trazem em si o desejo de pertencer e isto não pode ser uma primazia para alguns e um impedimento para outros por condutas inadequadas ou irrefletidas.
Sendo assim, o reconhecimento da existência de diferenças, singularidades e peculiaridades precisa ser observado atentamente, acolhendo e valorizando sempre o modo pelo qual alguém consegue momentaneamente se organizar. A promoção de diálogos fraternos, responsáveis e flexíveis auxiliam a chegada conjunta a soluções consensuais e saudáveis a todos. Interações sustentadas em valores atitudinalmente cristãos geram conexões edificantes e íntimo entrelaçamento entre pertencimento e inclusão.
Referências
ÂNGELIS, Joanna de (Espírito). Conflitos existenciais. 6. ed. Psicografia de Divaldo P. Franco. Salvador: LEAL, 2005. Série Psicológica Joanna de Ângelis, v. 13.
ÂNGELIS, Joanna de (Espírito). O ser consciente. Psicografia de Divaldo P. Franco. Salvador: LEAL, 2014. Série Psicológica Joanna de Ângelis, v. 5.
BROWN, Brené. A arte da imperfeição. Ribeirão Preto: Ed. Novo Conceito, 2012. Versão digital.
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