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Escala espírita e solidariedade




“Um ponto capital na Doutrina Espírita é o das diferenças que existem entre os Espíritos, sob o duplo ponto de vista intelectual e moral (...)”. No exemplar de fevereiro de 1858 da Revista Espírita, Allan Kardec entregou ao mundo a primeira versão da escala espírita (1), posteriormente reincluída, mais completa, na 2ª edição (definitiva) de ‘O Livro dos Espíritos’ em 1860.


Numa metáfora, se vermos a escala espírita como uma fotografia, ela nos apresenta a Humanidade com toda a diversidade de características das pessoas, boas ou más, ligadas ao grau de desenvolvimento intelecto-moral, partindo da Terceira Ordem – Espíritos Imperfeitos, com a predominância da matéria sobre o espírito e a propensão para o mal (com todas as negatividades a isso ligadas), passando pela Segunda Ordem – Espíritos Bons e alcançando a Primeira Ordem – Espíritos Puros, objetivo e destino de todos, quando a matéria já não tem qualquer influência e se conquista a superioridade intelectual e moral absoluta.

Se encararmos a escala espírita como um filme, em seu aspecto dinâmico, ela conta a história de todos nós, criados simples e ignorantes, caminhando para a perfeição. Nessa história como Espíritos, passamos/passaremos por todas as ordens e classes.

A foto nos diferencia, o filme nos iguala. As desigualdades são simples momentos evolutivos diferentes, e a escala espírita ganha contornos de significativa importância como um roteiro para o aperfeiçoamento de cada um e, numa ótica ainda mais ampla, como um guia para a conduta com relação a toda a coletividade, conduzindo-nos à solidariedade.

O próprio Codificador destacou que o quadro da escala espírita “interessa-nos pessoalmente porque, como pertencemos, por nossa alma, ao mundo espírita, no qual reentraremos ao deixar nosso invólucro mortal, ele nos mostra o que nos resta a fazer para chegarmos à perfeição e ao bem supremo” (op. cit.). Estudar as características das diferentes classes e ordens de Espíritos, e confrontá-las com as nossas próprias qualidades e defeitos, no necessário processo de autoanálise, é de enorme valor ao aperfeiçoamento íntimo.

Mas a escala espírita é mais. O reconhecimento de que as diferenças atuais são simples momentos evolutivos diferentes precisa nos conduzir a uma atitude de empatia com relação ao próximo, impactando-nos em ações de solidariedade.

A Questão n. 806 de O Livro dos Espíritos (2) estabelece que a desigualdade das condições sociais é obra do homem e não de Deus e desaparecerá quando, sempre eles, o egoísmo e o orgulho deixarem de predominar. Já a Questão n. 793 pontua que não teremos verdadeiramente o direito de nos dizer civilizados senão quando de nossa sociedade houvermos banido os vícios que a desonram e quando vivermos como irmãos, praticando a caridade cristã.

Segundo a concepção posta em O Livro dos Espíritos, ainda não somos civilizados, e seguimos criando desigualdade social. No geral, somos no mínimo indiferentes à desigualdade, pois tocamos as nossas vidas de uma forma autocentrada e cegos às carências dos outros, não raro em nosso próprio bairro. Pessoas religiosas, de denominação cristã, de regra se limitam a atender à formalidade de seus cultos. Mesmo espíritas, quando trabalhadores, usualmente não vão muito além da rotina das tarefas a que destacados no Centro Espírita. O individualismo e a frieza do mundo virtual têm exacerbado o gelo nos sentimentos.

Mas nessa subida da montanha a caminho da perfeição intelecto-moral somos muito ajudados, justamente, por aqueles que completaram a caminhada antes de nós. Espírito ajuda Espírito, a solidariedade é a tônica da escala espírita. Referindo-se aos Espíritos Puros que compõem a Primeira Ordem, Allan Kardec destaca que eles auxiliam os que lhes são inferiores na obra de seu aperfeiçoamento. “Assistir os homens nas suas aflições, concitá-los ao bem ou à expiação das faltas que os conservam distanciados da suprema felicidade, constitui para eles ocupação gratíssima” (op. cit.).

Léon Denis, no espetacular livro O Grande Enigma (3), ensina que “Nessa penosa e laboriosa evolução que arrasta os seres, há um fato consolador sobre o qual é bom insistir: em todos os graus de sua ascensão, a alma é atraída, auxiliada, socorrida pelas entidades superiores. Todos os Espíritos em marcha são auxiliados por seus irmãos mais adiantados e devem auxiliar, por sua vez, todos os que lhes estão abaixo”.

É por isso que, no estudo profundo dos caracteres que definem cada classe de Espíritos na escala espírita, além de traçarmos o nosso caminho para a Espiritualidade Superior, banindo os nossos vícios e imperfeições, cabe-nos aprender a nos tornar conscientes dos caminhos que os outros trilham e verdadeiramente começar a estender a mão, a exemplo de tantos Espíritos à nossa frente que nos vêm auxiliando há tanto tempo, oculta ou ostensivamente, a quem devemos estar onde estamos.

Os seres são muito diferentes do ponto de vista intelectual e moral, nossos sentidos o demonstram diariamente, e é o que destacou Allan Kardec em seu texto na Revista Espírita. É uma obviedade que não se atrela desenvolvimento espiritual a prosperidade material, causando até arrepios recentes colocações nesse sentido que passaram a ser ouvidas em nossos quintais. O que se quer refletir, lincando a pedagogia da escala espírita kardequiana às desigualdades que nos cercam, é que, independente do momento evolutivo de cada um, precisamos deixar de ser insensíveis às condições tão rudes a que, algumas vezes, são relegados nossos irmãos de caminhada. Insensibilidade que subverte a escala espírita. 

Que possamos, portanto, mais uma vez nos valer do bom senso e das reflexões de Allan Kardec para iluminar a percepção sobre a existência, a nossa e de todas as criaturas, trabalhando-nos e trabalhando para tornar o caminho de todos mais reto e seguro no sentido da perfeição no coração de Deus, destino inafastável de todos nós.



Referências:

 

(1) Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos: Ano primeiro – 1858/publicada sob a direção de Allan Kardec; [tradução de Evandro Noleto Bezerra; (poesias traduzidas por Inaldo Lacerda Lima)]. – 4. Ed. – Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2005, p. 73-79.

(2) O livro dos espíritos: filosofia espiritualista / recebidos e coordenados por Allan Kardec; [tradução de Guillon Ribeiro]. – 93. ed. 1. imp. (Edição Histórica) – Brasília: FEB, 2013, p. 358 e 364. 

(3) O grande enigma / Léon Denis. – 16. ed. 1. imp. – Brasília: FEB, 2014, p. 32.

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