Fraternidade
Sob esse estandarte que ilumina as mazelas humanas marcharão, um dia, todos os que acolherem em seus corações a condição da filiação divina que os faz irmãos e partícipes da mesma herança.
O Criador designa as suas criaturas para formar a grande família que se espalha pelas muitas moradas que Ele criou e são destinadas a atingirem o objetivo da humanidade.
Reconhecer o outro como um integrante da nossa própria vida, com o qual devemos ter o mesmo amor e cuidado que ansiamos nos seja tributado.
Pautar os nossos atos de forma a não ultrapassarmos os limites dos direitos que cabem aos demais.
Tudo estabelecermos a fim de que não inflijamos sofrimentos aos que privam da nossa convivência.
Sentirmos que as aflições impostas ao próximo se convertem em razão de dor para nós próprios.
Estas atitudes forjam o eixo sobre o qual repousará a dinâmica da Terra regenerada, onde não haverá dissensões, ódios e malquerenças a separar os homens que, oriundos do mesmo Foco de Amor que os gerou, rumam para a compreensão integral da essência que carregam em si, tornando-se “Um com o Pai”.
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A sala estava em penumbra. Há algum tempo os últimos raios de sol haviam declinado no horizonte, deixando para trás um rastro vermelho qual uma estrada coberta pelo manto de púrpura do astro-rei.
A garrafa de uísque estava quase vazia e no cinzeiro amontoavam-se as baganas dos cigarros que foram consumidos um após outro.
Já havia se decidido! Não tinha mais saída para o seu caso. Pensara em todas as possibilidades, cogitara de muitas ações e pusera algumas em prática, porém o fosso estava cada vez mais profundo. Não tinha como sair daquela situação.
Tinha feito um seguro de vida de grande valor e se conseguisse simular uma morte natural, a família poderia escapar da miséria que se avizinhava, talvez salvar algum patrimônio, os seus filhos continuariam os estudos e ele não precisaria enfrentar todas as lutas, e mais, a vergonha que a falência, inevitável, lhe faria passar.
As lágrimas escorriam pela face adormecida pelo álcool. Parecia-lhe ouvir o velho Tomás Flores.
- Telêmaco, tu precisas ter coragem e determinação, a vida não é viagem de férias, meu filho!
Custou a entender aquela afirmativa que o pai lhe fez muitas vezes. Estudou bastante, aprendeu com o pai tudo o que ele quis lhe ensinar sobre o negócio, mas logo após a morte do genitor, começou a implementar as suas ideias, que antes não confidenciava a ninguém, mas que vendo-se com poder de decisão passou a executar na empresa.
Telêmaco Flores era um empresário sem generosidade, beirava às escolhas desumanas e achava que a forma como o pai gerenciava as pessoas era desperdício e que os empregados eram “mimados” demais, o que na sua avaliação era prodigalidade e reduzia as margens de lucro. Foi ao conselho da fábrica, no qual era acionista majoritário, expôs o seu plano de governança, que embora contestado pelos demais, esses não tiveram força nem argumentos suficientes para demovê-lo.
Novos e sombrios tempos transcorreram na organização fustigada pelos novos valores aplicados, e o ânimo abatido das pessoas que integravam as equipes, assim como o ambiente inçado de fluidos adversos começou a aumentar a rotatividade dos trabalhadores e afetar os índices de produtividade.
Em pouco tempo era visível a transformação do ambiente físico e também da atmosfera captada por todos, mesmo que isso não fosse comentado abertamente, os sentimentos eram repassados de negatividade e o mal-estar era o toque acentuado no clima da organização.
Tomás, uma alma humanitária e que sempre pautara suas ações de gestão para valorizar o que pensava ser o maior patrimônio da empresa – as pessoas – acompanhava da espiritualidade, com aflição, o desatino do filho e também quedava-se temeroso pela sorte daqueles que sob a sua liderança sempre mereceram cuidado e amparo constante.
Conversou muitas vezes com a equipe de aconselhamento da instituição onde estava acolhido e que assessorava as caravanas que se dirigiam à Terra para a ausculta e inspiração dos gestores de todos os setores da economia. Embora todos os diálogos estabelecidos com Telêmaco durante o sono e as inspirações que lhe eram direcionadas em vigília, nada fazia eco no coração do rapaz.
A superficialidade e a ambição são duas hidras que enclausuram a sensibilidade.
Agora, o agoniado pai, em Espírito, estava ali observando mais uma escolha infeliz que seu filho estava prestes a fazer.
Submetido ao torpor do uísque consumido, o homem olhava a medicação sobre a mesa. Pesquisou muito e finalmente achou uma composição perfeita e difícil de detectar no organismo. Paralisaria o coração em pouco tempo, contando com o efeito do álcool, mas daria tempo de sumir com a seringa e demais vestígios até ficar inconsciente e não acordar mais.
Tomás e os atendentes espirituais acercaram-se mais do ambiente da fábrica para a última tentativa de impedir o tresloucado gesto.
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