Fraternidade - cap. 2

Os grossos rolos de fumaça toldavam o céu iluminado pelo disco prateado da lua que já assomara para mirar-se no rio. Era o incêndio que irrompia insano e avassalador.

O prédio imponente que dominava a paisagem foi se transformando em escombros fumegantes, na passagem vertiginosa das chamas que consumiam tudo

A vizinhança alvoroçada tentava fazer uma corrente com baldes improvisados para tentar conter o fogo, sem êxito, tal a intensidade do sinistro. Quando as sirenes das viaturas do corpo de bombeiros foram ouvidas e chegaram ao local pouco havia a fazer.

Telêmaco, quando ouviu o alarme, despertou do torpor que estava submetido e das elocubrações sobre o suicídio e atendendo ao instinto de conservação correu para a escada de incêndio. Enquanto corria voltava-lhe a mente a ideia de morrer, quem sabe morrer queimado, isso solucionaria os seus problemas. Não! Era uma morte por demais dolorosa e ele era covarde até para isso. Queria morrer, mas não queria sofrer era o que pensava quando ganhou a rua.

Com os pensamentos em desalinho, adormecido pela quantidade de uísque ingerido foi se afastando do prédio, ganhando distância e quando se voltou e contemplou as chamas que subiam lambendo as paredes, deu-se conta - o seguro da fábrica!!! Sim!!! Estava ali o recurso que precisava para organizar as suas finanças.

Quando viu as pessoas correndo para tentar salvar o seu patrimônio, o espírito sarcástico, afeito às comodidades e envilecido pelo álcool o fez torcer o nariz.

- Imbecis! Como pensam dominar um fogo de tamanhas proporções.

Brevemente, passou pela sua mente enferma que ali estava a desaparecer o esforço laborioso de três gerações da sua família. Mas o quê? Balançou a cabeça que rodava e murmurou: estou ficando sentimental agora? Afinal aquilo tudo era no momento atual um terrível e incontrolável peso, um negócio deficitário e que tantas preocupações lhe traziam.

- Já vai tarde, murmurou entre dentes.

Ao lado do filho, Tomás Flores contemplava as ruínas da fábrica que cuidara, fizera crescer e que respondia pelo emprego de dezenas de famílias que doravante teriam que buscar outra fonte de custeio para as suas necessidades, mas agradecia a Deus as novas bênçãos que se anunciavam para a caminhada do filho, demovendo-o, no momento, das ideias de tirar a própria vida.

- Ah, meu filho! Quanto egoísmo se abriga em teu coração. Pensas que sairás ileso desse sinistro, mas ele foi provocado não em teu benefício, mas daqueles que prejudicas com tua gestão desatenta e ineficiente. Quando honrares todas as dívidas que são prioritárias terás oportunidade de seguir adiante e de conferir ao trabalho árduo o valor que lhe negaste até agora. Verás, dia a dia, se renovarem as chances de desenvolver a musculatura da alma nos exercícios da compreensão dos objetivos nobres da existência.

A seguradora após a comprovação de que o incêndio não foi criminoso liberou o seguro que, de imediato, foi bloqueado pela justiça para que os empregados, o fisco e os fornecedores da empresa sinistrada fossem atendidos até o limite do valor.

Telêmaco, pouco a pouco, foi se dando conta de que as lutas se intensificavam mais e mais, pois como dizia seu velho pai: “não estava na Terra a passeio.” As ideias de por um fim à vida, às vezes se apresentavam intensas, mas a presença de Tomás, mesmo sem ele perceber, pois era avesso a quaisquer ideias de espiritualidade, o mantinha distanciado da execução do propósito nefasto e assim ele foi percebendo que as provações, as crises financeiras embora amargas, não tinham por si só um gosto tão insuportável como ele pensava. Era difícil viver com pouco, estabelecer como supérfluo o que antes era tido a conta do necessário, mas ele ia vencendo dia a dia o infortúnio que causara.

A família desfez-se de alguns bens livres, mudou-se para um bairro mais simples e fez novas amizades que deles se aproximaram sem outro interesse que não fosse o da convivência. Um desses amigos apresentou a Telêmaco o Espiritismo.