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Funções Materna e Paterna (Parte 1)

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    fergs
  • há 1 dia
  • 6 min de leitura


Quando se trata de analisar um Espírito reencarnante, erroneamente, muitas vezes pensamos que ele será meramente a sequência de quem ele foi em encarnações passadas numa espécie de mera continuidade psíquica. Pensando dessa forma, ignora-se a importância da influência das experiências da fase intrauterina e da infância, na existência atual. Se o Espírito continuasse a ser apenas o que já era, não haveria necessidade da reencarnação. Nascer de novo serve para inscrever novas experiências, que podem ser transformadoras.

A etapa em que transformações mais significativas acontecem é a da infância. A permeabilidade de um bebê às influências materna e paterna, bem como do ambiente, irá moldar suas características estabelecendo possibilidades de vínculos e respostas emocionais, tanto mais ricas quanto mais saudável o meio em que ele está.

É verdade que “algo" continua, ou seja, uma criança não é uma tela em branco, totalmente, pois carrega tendências psíquicas de existência anteriores que se revelam, sobretudo, no temperamento peculiar e único de cada um. Mesmo que sejam gêmeos univitelinos, cada um terá a sua marca, seu estilo próprio. Cada um de nós tem sua própria singularidade tornando-nos únicos em nossas características.

No entanto, o caráter e a personalidade estarão em pleno e progressivo desenvolvimento na nova infância com base nas interações que se darão a partir dos pais, irmãos, tios e avós, ou na ausência destes. Também sofrerão interferências determinantes quando da perda, sobretudo de relações afetivas diretas, ou de perturbações destas. Por exemplo, a criança se ressente muito quando a mãe tem uma depressão, na fase inicial da sua infância. Percebe-se, no atendimento de pacientes em tratamento analítico, a fratura emocional de um psiquismo que estava em desenvolvimento e ficou estagnado quando da depressão da mãe, gerando uma paralisação do seu crescimento afetivo. São experiências traumáticas que oferecem danos de variadas magnitudes, mas que, invariavelmente, determinam a perturbação do fluxo saudável no desenvolvimento psíquico da criança.

 

 

A EPIGÊNESE

 

Cada vez mais compreendemos a importância da epigênese, ou seja, como o patrimônio genético se apresenta e se desenvolve conforme as influências do ambiente. Se, por um lado, temos a ontogênese, ou seja, o que se constrói a partir do patrimônio genético que vem dos pais, por outro temos as experiências objetivas e subjetivas desse relacionamento interpsíquico que o ser passa a experimentar, na sua relação com o meio em que mergulhou. O que conhecemos por inato é uma parcela do que teremos na resultante da personalidade que ainda se encontra distante no desenvolvimento de um bebê ou criança. Até se constituir, a trajetória das vivências infantis será determinante no mundo subjetivo que se estabelecerá conforme a qualidade das interações afetivas nessa etapa.

 

Nascemos em condição de dependência total de cuidados. Não apenas de cuidados físicos, mas também de atenção afetiva extrema, sob pena de não sobrevivermos. Uma criança que não seja suficientemente amada e protegida não se constitui, ou sequer sobrevive. O cérebro está cada vez mais sendo percebido pela neurociência como uma estrutura plástica, e não como um órgão pronto desde o início, sobretudo as estruturas pré-frontais que se desenvolvem desde a infância e, conforme a qualidade desse vir-a-ser na sucessão dos anos, terão seu apogeu apenas no final da adolescência, quando encontrarão a maturidade.

A construção cerebral se dá, portanto, passo a passo, com as experiências emocionais nas suas relações afetivas. Não há desenvolvimento de uma criança se um adulto não se envolver com ela. Estamos falando de vida afetiva, de amor, suprimento de cuidados e de riqueza emocional.

Na belíssima fala de Didier Houzel (2018) temos:

 

Quando observamos um bebê, a primeira coisa que nos impressiona é a forma como ele passa de um estado para outro: está tranquilo, num estado de vigília atenta, olha para nós tranquilamente, talvez sorrindo para nós. Depois, de repente, começa a fazer beicinho, agita-se e chora, desorganiza-se e, em poucos minutos, torna-se completamente caótico. Depois, a mãe ou o seu substituto - pode ser o pai - pega nele, dá-lhe o peito ou o bico e ele acalma-se. Volta a ficar completamente organizado e tranquilo. Esta rapidez de mudança, esta sucessão, esta aparência de ausência de ligação é extremamente surpreendente. Corresponde bem ao que encontramos em todas as idades na exploração das angústias mais primitivas, a angústia de perder a sua própria substância, a angústia de explodir, a angústia de se desfazer.

As patologias graves têm as suas raízes nesses momentos cruciais da existência, quando talvez não houvesse possibilidade de transmitir toda essa experiência a outra psique. Quando uma mãe amamenta o seu bebé, ela acalma as suas necessidades impulsivas, dá-lhe um bónus de prazer, ou seja, o bebé gosta de mamar, mas o que sabemos hoje, graças ao trabalho do psicanalista W.R. Bion (1962), é que ela dá também à criança o sentido daquilo que ela viveu. É como se ela pudesse dizer “então era disto que eu precisava”.

Ela está à espera de algo, mas não sabe o que é. Ele precisa que venha do exterior para que a sua experiência pessoal possa ser descodificada e dotada de sentido.

(Houzel, 2018 - pág. 15-38)

 

 

O CONCEITO DE MÃE SUFICIENTEMENTE BOA

 

Em Winnicott temos o conceito de “mãe suficientemente boa” como uma ideia de que, no acolhimento inicial, o bebê necessita de uma provisão de cuidados afetivos e empáticos que sejam favorecedores de desenvolvimento. O conceito de “mãe” pode ser ampliado para a noção de ambiente, ou de mãe como função, ou seja, de um alguém, cuidador afetivo de qualquer sexo, que consiga amar e cuidar suficientemente bem do bebê em um ambiente emocionalmente empático e protetor.

A tendência para amadurecer é, em parte, herdada. De uma maneira complexa (que tem sido muito estudada), o desenvolvimento, especialmente no início, depende de um suprimento ambiental suficientemente bom. Pode-se dizer que um ambiente suficientemente bom é aquele que promove as várias tendências individuais herdadas, de tal forma que o desenvolvimento ocorra de acordo com elas.

 

Pode ser muito útil postular que o ambiente suficientemente bom começa com um alto grau de adaptação às necessidades individuais do bebê. Geralmente a mãe é capaz de provê-lo, por causa do estado especial em que se encontra, o qual denominei “preocupação materna primária” …

A adaptação vai diminuindo de acordo com a necessidade crescente que o bebê tem de experimentar reações à frustração. A mãe saudável pode retardar sua função de não conseguir se adaptar até que o bebê tenha se tornado capaz de reagir com raiva, em vez de ficar traumatizado pelas incapacidades da mãe. Trauma significa quebra de continuidade na existência de um indivíduo. É somente sobre uma continuidade não existir que o sentido do self, de se sentir real, de ser, pode finalmente se estabelecer como uma característica da personalidade do indivíduo.

(Winnicott, 2021 - pág. 22)

 

Em Missionários da Luz (Xavier, 2013), encontraremos as informações do orientador espiritual Alexandre para André Luiz a respeito da importância dessa condição materna antes do nascimento, como é o caso do momento inicial da reencarnação, por ocasião da ligação espiritual do espírito reencarnante com o útero materno:

 

A maioria dos que retornam à existência corporal na esfera do globo é magnetizada pelos benfeitores espirituais, que lhe organizam novas tarefas redentoras, e quantos recebem semelhante auxílio são conduzidos ao templo maternal de carne como crianças adormecidas. O trabalho inicial, que a rigor lhes compete na organização do feto, passa a ser executado pela mente materna (grifo nosso) e pelos amigos que os ajudam de nosso plano. (Xavier, 2013 - pág. 214) 

 

Como vemos, o psiquismo inicial sofre decisivas influências que entrarão na constituição da nova mente agora reencarnada, mas sob as condições do ambiente, sobretudo da mente materna que, de certo modo gesta o psíquico do feto e da futura criança, obviamente que na íntima interação com o manancial das bagagens oriundas do próprio espírito. Podemos pensar na mente materna contendo um caráter de função que será necessária em todo o desenvolvimento. O que é inicialmente garantido pela gestação por si mesma, logo a seguir se estenderá através dos cuidados primeiros, materiais e afetivos, de quem exerça essa função, como vimos, não necessariamente a mãe biológica, e sim com quem possa continuar esses cuidados essenciais de sensibilidade, o pai, uma avó ou avô etc. O fato é que o psiquismo não se estrutura emocionalmente sem o elemento materno inicial, sobretudo quando este apresenta condições “suficientemente boas”, conforme estamos estudando.


Referências:

Houzel, D. (2018). La bisexualité psychique et sa fonction contenante. Journal de la psychanalyse de l'enfant, Vol. 8(1), https://doi.org/10.3917/jpe.015.0015.

Winnicott D. (2021) Tudo começa em casa. São Paulo. Ubu Editora

Xavier. Francisco C. pelo Espírito André Luiz. Missionários da Luz. 45ª edição, 1ª imp. Brasília. FEB, 2013

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