Náufrago em Resgate, cap. 10
A influência que os Espíritos exercem uns sobre os outros é sempre boa? “Sempre boa, é claro, da parte dos Espíritos bons. Mas os Espíritos perversos procuram desviar do caminho do bem e do arrependimento aqueles que lhes parecem suscetíveis de se deixarem levar e que são, muitas vezes, os que eles mesmos arrastaram ao mal durante a vida terrena.”[1]
Enquanto caminhava para o encontro com a misteriosa visita, Luiz Fernando estava intrigado com a situação. Passava e repassava, mentalmente, as pessoas que poderiam estar ali naquele momento. Imaginou até alguém do grupo espírita, as orientadoras, quem sabe? Ele era solitário, pois o tumulto da vida de crimes sempre o mantivera à distância de relacionamentos afetivos mais sérios, pois estava afeito a ver o sofrimento das famílias dos que como ele deviam à justiça e eram, quase sempre, os que mais sofriam com a situação e ele não queria submeter alguém a sua desdita. Tivera um rolo aqui, outro ali, mas nada significativo.
- 10 minutos, falou o agente ao chegarem ao palratório
- Ah! Você? Nem imaginava. O que faz aqui?
- Vim ver como você está. Sumiu da boca, meu!
- Como soube de mim?
- Você sabe que ele tem olhos para todos os lados.
Luiz se sentiu incomodado com a presença e a resposta. Não queria ser monitorado pelo chefe, pois estava pagando pelos seus crimes e nos momentos de lucidez pensava mesmo em dar outro rumo a sua vida, se isso fosse possível, dada a extensão das penas que se acumulavam para cumprimento. Mas o certo é que estava cansado, não queria mais a vida louca de crimes e atrocidades. Nem que fosse para ficar ali, preso, estendido numa cela, mas queria ficar sem agravar as suas dívidas.
- E ele te mandou aqui para quê?
- Calma, ele não me mandou, eu vim porque também quero ficar longe de tudo aquilo. Estou me afastando.
Ela olhava para Luiz com os seus olhos grandes e escuros que se destacavam do rosto arredondado, emoldurado pela farta cabeleira cacheada que descia até os ombros. Uma mulher bonita, que devia ter no máximo 20 anos. Sorriu e mostrou a fileira de dentes perfeitos contornados pelos lábios bem desenhados e carnudos. O preso encantou-se com aquela alegria, aquele riso franco, começou a sentir o cheiro do perfume adocicado que ela exalava. Ele sabia que a fala dela não era verdadeira e que ali estava uma armadilha bem posta para ele, mas a carência afetiva e a solidão são más conselheiras e ele olvidou o alerta que se acendia na mente.
Magaldi acompanhava o desenrolar da aproximação de Dóris. Luiz a conhecia das festas onde transitava no morro. Nem sequer chegaram a ficar juntos ou a terem um relacionamento. Ela era apenas uma das muitas mulheres que o tráfico utilizava em ações de expansão dos seus domínios, através da arte da sedução.
Luiz estava esquecido pela cúpula da quadrilha desde a sua transferência, mas após o suicídio de “russo” e o seu mergulho na atmosfera de ódio dos comparsas desencarnados do infortunado agente, a sua situação passou a ser analisada de perto pelos Espíritos perversos que se afinizaram com os seus pensamentos e ações.
Advertido, nas muitas conversas durante o sono e nas intuições que lhe eram direcionadas pela equipe de Espíritos amigos, que o assistiam na prisão, para mudar a sua atitude mental, não acolheu os apelos e mais e mais se afundou no visgo das entidades perturbadas, que foram cercando os seus antigos companheiros de crime, projetando a imagem dele nas mentes e provocando pesadelos durante o sono, até que o chefe, decidiu por resgatá-lo para as atividades. Sabendo que poderia encontrar resistência, urdiu um plano sedutor, enviando Dóris para a linha de frente.
As visitas dela se repetiam e a cada vez que vinha enleava mais o rapaz em seus encantos, trazia-lhe presentes e embora ele soubesse o alto custo dessa relação, não opôs resistência e em menos de dois meses estavam autorizados os encontros íntimos e daí até Luiz se transformar em um traficante intramuros, foi um passo. A cadeia era bem vigiada, mas ele voltou a frequentar as oficinas. Todo o apelo que os amigos do bem lhe fizeram para moderar o comportamento alterado pela influência dos obsessores, sem êxito, foi acolhido quando veio por sugestão dos adversários, a fim de que pudesse voltar a sair da cela, o que lhe dava mais mobilidade dentro do complexo. Logo, novos membros da quadrilha chegaram à cidade e encontraram o local adequado para passar a droga para dentro do presídio, assim como, fixaram novas bases de distribuição para a região sediada na cidade e deram início ao plano de fuga de Luiz Fernando para comandar as novas operações.
Dóris concluiu a sua parte no plano e foi chamada de volta ao QG do crime, mas o coração das criaturas é indomável e não obedece regras. Ela estava, verdadeiramente, envolvida com Luiz Fernando e isso criou embaraços aos planos da quadrilha.
- Luiz, eles querem que eu volte, mas eu não quero.
- Você sabe o que significa desobedecer o chefe, Dóris. Nós dois estaremos mortos.
- E se denunciarmos, ela fala baixinho, se “caguetarmos” o esquema.
- Sim, e depois? Prendem o peixe miúdo, como nós e vêm atrás da gente.
Dóris começou a chorar baixinho.
- Que arrependimento eu tenho Luiz. Eu não devia ter iniciado isso.
- Dóris, a gente tem muito pouca escolha. Quem vive como nós, no fio da navalha, só escolhe morrer ou viver um pouco mais. Não te culpo. Eu também sabia o que estava fazendo desde a primeira vez que chegaste aqui.
Magaldi, com o coração opresso aproximou-se do casal envolvendo-o nas suas emanações e proferiu a prece repassada de sentimentos, para que o filho amado, encontrasse a coragem de retomar o caminho certo, mesmo que isso lhe custasse a vida física.]
Senhor de Bondade e Misericórdia infinitas!
Elevamos a Ti a nossa rogativa humilde em favor desses filhos teus, que se precipitaram nos abismos do vício, afastando-se do cumprimento das Tuas soberanas leis, encantados pelo brilho falso do crime.
Fertiliza, Supremo Criador, com Tua onipotência o solo dessas almas para que nelas vicejem as sementes divinas que ali depositaste.
Continue a permitir que Teu Filho, o Mestre Jesus, com suas falanges benfeitoras que ladeiam os caminhos de todas as criaturas, continue a soprar as débeis chamas da vontade de redenção a bruxulear no pântano de erros onde se encontram mergulhados.
Jesus, amigo e irmão das nossas vidas, recolhe os escassos dons dessa alma imperfeita que sou, mas o que tenho, entrego para que seja manejado pela Tua sábia vontade em benefício desses filhos do coração.
Seja feita a vontade do Altíssimo que tudo vê e tudo pode, e que as nossas rogativas se alinhem com Ela para que essas ovelhas desgarradas retornem ao aprisco divino.
Envolve, Jesus Amado, todas as almas devotadas a construir no planeta um caminho que faculte o desabrochar das virtudes em cada coração que escute o teu chamado, Divino Pastor, a fim de que sejamos a cada dia pegureiros devotados ao trabalho de iluminação que começa dentro de cada um a fim de se tornar candeia para dissipar as densas trevas que campeiam no mundo.
Referência: [1] Kardec, Allan. O livro dos espíritos (p. 505). FEB Publisher. Edição do Kindle. Questão 971.
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