Náufrago em Resgate - Cap. 14
Liane olhava o mar por detrás da grossa cortina de lágrimas que descia pela sua face. Fazia três meses que estava ali, incógnita, em meio a pessoas desconhecidas, em um lugar estranho, em companhia de um estranho que era conhecido como seu irmão, mas que na verdade era um agente policial disfarçado para cuidar da sua segurança. Trocara de nome, tinha novos documentos e uma existência vazia. Perdera tudo, a sua identidade, as poucas relações que cultivara durante a vida e, sobretudo, perdera Luiz Fernando. Aproximara-se dele com o intuito de cooptá-lo novamente para as ações do crime e acabara se envolvendo, afetivamente. Quando propôs a delação dos crimes, não imaginava que isso significava um final de ciclo, ou melhor, quase um final de vida, pois não podia voltar a sua terra, nem falar com os seus parentes, muito menos rever Luiz. Agora era Liane, a Dóris estava morta para o mundo.
Nos finais de tarde, quando aquele ponto da praia estava deserto, caminhava, observada de longe pelo policial, e assim dava vazão às suas dores.
No primeiro mês de assistência protetiva, Doris/Liane descobriu a gravidez. A notícia foi um choque e contribui para o agravamento das suas incertezas. O primeiro impulso foi para interromper a gravidez. Pensou no que seria dela e dessa criança em domicílio estranho, sem amigos, sem ninguém e, sem ao menos poder informar Luiz Fernando que ele ia ser pai. Resistiu à ideia da maternidade, mas aos poucos, com as muitas conversas da assistente social e da médica que a assistiam, as quais eram intuídas a princípio e após corroboradas nas suas falas pela equipe de Magaldi que continuava em trabalho intenso no processo educativo daquelas almas, aproveitando o sono físico da gestante para sensibilizá-la. Havia também a natureza da gestação que exigia uma dose de renúncia a qual a futura mãe não estava afeita e nem sequer suspeitava.
Os pensamentos de ódio endereçados ao “russo”, por Luiz Fernando, atraíram o infeliz suicida que passou a interferir em muitos dos pensamentos e atos do casal, desferindo ataques soezes e violentos na energia fluídica de ambos, colocando-se avesso a quaisquer auxílios prestados pela falange dos servidores de Maria de Nazaré. Embora com alguns méritos pelo amor devotado que tinha por Angélica, a filha com deficiência, o infeliz réprobo não logrou usufruir deles para amenizar os seus tormentos.
Nesse caso, aproveitando a vinculação existente com o par que o hostilizava em pensamentos, os planos misericordiosos do Alto encaminharam a encarnação expiatória e dolorosa para a chance de redenção de ambos - filho e mãe - uma vez que Dóris/Liane, já havia comprometido sua matriz geradora com alguns abortos praticados.
É da lavra de Camilo Cândido Botelho por Dona Yvonne do Amaral Pereira a explicação para esses retornos imediatos de Espíritos suicidas;
Acontece frequentemente, no entanto, que muitos destes infelizes trazem a revolta no coração, a raiva impenitente pela desgraça de que se consideram vítimas, e não responsáveis. Não se resignam à evidência do presente e, inconformados, partem a tomar novo envoltório terreno, agravando a situação própria com a má vontade em que se entrincheiram, a insubmissão e a impaciência, acovardados ante a expectativa dos embates tormentosos da expiação irremediável! “Tais como se encontram aqui, estes nada mais representam do que pequena malta de futuros leprosos que renascerão entre as amarguras das sombrias encostas do globo terrestre, nos planos miseráveis da sociedade planetária; de cancerosos e paralíticos, de débeis mentais e idiotas, nervosos, convulsos, enfermos incuráveis rodeados de complexos desorientadores para a Medicina terrena, desafiando tentativas generosas da nobre ciência... enquanto pesarão desagradavelmente na sociedade humana, pois são fruto dela, dos seus erros, a ela pertencem, sendo justo que ela própria os hospede e mantenha até quando necessário... até quando a calamitosa situação for minorada! “Reencarnarão dentro em breve. Conosco permanecerão apenas o tempo necessário para se refazerem das crises mais violentas, sob os cuidados dos nossos dedicados cooperadores incumbidos da sua vigilância. Partirão para o novo renascimento tais como se acham, pois não há outro remédio capaz de lhes minorar a profundidade dos males que carregam. Levarão para o futuro corpo, que moldarão com a configuração maculada com que presentemente se encontram, todos os prejuízos derivados da dissolução dos costumes de que se fizeram incontidos escravos... e ali, como ficou esclarecido, serão grandes desgraçados a se arrastarem penosamente em estações de misérias e lágrimas...
A bênção de uma nova vida chegava para aquela alma, com a possibilidade de se internar em uma caminhada onde as lutas a serem enfrentadas amainariam o caráter agressivo e perverso que o perderam.
Para a genitora, um convite ao resgate do seu propósito existencial, comprometido há tanto tempo com as ações criminosas de que foi partícipe e vítima muitas vezes.
Sentia a rejeição pela criança que estava a gestar, mas como não estava habituada a identificar e examinar bem os sentimentos, atribui o que sentia às dificuldades para ter e educar um filho e. por sugestão de Magaldi, quando dela se aproximava, foi pensando que afinal esse era um fruto e uma lembrança do homem que aprendeu a amar e por esse amor até desejou uma vida diferente. Estava ali a chance, embora de forma muito diferente da que pensou, mas era a possível para mudar o rumo da sua vida.
Explicaram-lhe que as condições do seu acordo eram vantajosas pelo nível de letalidade da quadrilha que denunciou. Teria toda a assistência necessária, a reinserção social e o acompanhamento enquanto não recobrasse sua autonomia emocional e financeira.
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