Náufrago em Resgate - Cap. 15
“[...] te digo que hoje estarás comigo no paraíso.”[1]
O trabalho de proteção a vida de um interno, “marcado” pela sua quadrilha, é um jogo de xadrez. Embora sem provas da delação, o sumiço de Luiz e de Dóris deixaram claro para o bando que havia uma proteção negociada. Isso fez com que Luiz entrasse em regime de rodízio por várias prisões, ficando, às vezes, poucos dias em determinado lugar para logo ser transferido para outro. Ele sabia que tudo isso era paliativo, pois o zelo de Alcibíades não era encontrado em muitos profissionais. Com o passar do tempo, a vigilância ia arrefecendo e depois que todos os seus depoimentos foram tomados em Juízo, a sensação era de que se o apagassem até seria melhor.
Magaldi e Maria Eugênia procuravam alentar o filho querido, que mais uma vez, estava prestes a encerrar sua encarnação em consequência dos atos equivocados diante da vida.
Também a mãezinha biológica de Luiz na vida presente, uma alma que tinha grande apreço por Magaldi, em razão de algumas ações meritórias que dele recebeu em outras existências, aquiesceu no acolhimento daquele Espírito em seu lar paupérrimo e fez esforço hercúleo para transmitir-lhe valores nobres. Conseguiu plantar no solo árido e rebelde daquele ser a gratidão e a admiração que ele tinha pela nobreza de caráter da mãe, embora isso não fosse suficiente para mantê-lo longe do crime.
Em uma das noites em que foi transferido novamente para outra penitenciária, Luiz sonhou com ela. Via-se deitado em uma cama, em um posto de atendimento de uma prisão, pois ele via as grades e os guardas armados no lado de fora, mas a mãe segurava a sua cabeça e procurava transmitir-lhe fé. Ele a via como nos velhos tempos no casebre em que moravam, colocando-os, ele e seus irmãos, para dormir e fazendo uma oração que eles repetiam, enquanto se mantinham acordados. Luiz sentia que a sua roupa estava com uma grande mancha vermelha, era sangue, mas ela fez-lhe um sinal de que não se mexesse. Ouviu a sua voz querida, balbuciando junto ao seu ouvido. Tudo vai ficar bem, meu filho. Ore comigo.
Luiz acordou sobressaltado, olhou para os lados como se pudesse ainda ver a sua mãe por ali, mas somente a solidão da cela havia restado. Estranhamente, ele estava sereno. Acalentava uma certeza de que aquela poderia ser a sua última noite, os seus derradeiros momentos nessa vida, As lágrimas começaram a rolar dos seus olhos e lhe proporcionaram um grande alívio. Ajoelhou-se no chão da cela e lembrou da imagem de Jesus que havia entalhado e entregado para Tia Méri e os meninos do Centro Espírita e orou como há muito tempo não fazia. Agradeceu pela oportunidade de ter ajudado Dóris a sair daquela vida, livrar Alcebíades e outros bons policiais da morte e, quem sabe, quantas pessoas mais com a delação que fizera. Não tinha coragem de pedir perdão a Deus, mas lembrou-se de que ouvira nos encontros espíritas na prisão que Deus é Bondade e Amor. Então, timidamente e depois em voz alta, mais forte, tão alto que ecoou pelas galerias: Perdão, Meu Deus!
Daquela noite, em diante, Luiz foi aceitando a sua sina, sabendo que a qualquer momento teria que acertar contas com os parceiros que havia traído. E a conta veio.
Quando chegou ao ambulatório nada mais havia a fazer pelo detento. Os sinais eram de envenenamento. A necropsia apontou nas vísceras grande quantidade de substância que lhe foi administrada nos alimentos ingeridos.
Magaldi, Maria Eugênia e Inês, a mãezinha de Luiz nessa sua curta romagem terrena, acompanharam-lhe os momentos finais, assistindo-o na agonia da morte e agora procuravam adormecê-lo para retardar os efeitos da perturbação que experimentaria, dado o tipo de vida e desencarnação que tivera.
Na manhã chuvosa do mês de abril, Luiz era sepultado, sem acompanhamento, apenas com as orações piedosas de um frei franciscano e com o cortejo silencioso e contrito da equipe de Magaldi, Maria Eugênia e Inês que embora sabendo que ali apenas restavam despojos, velavam para que os infelizes vampiros que vagueiam pelos cemitérios não disputassem as energias do filho amado daquelas almas veneráveis que ali estavam.
O quanto ainda necessitamos compreender a realidade do Espírito imortal e os planos divinos para todos nós. Observando do ponto de vista material, ali estava um criminoso sem família, um marginal, uma escória humana, que sofria a consequência de suas ações. Do ângulo da espiritualidade era uma alma querida, custodiada pelos seus amores que persistiram através dos séculos e continuariam a cuidar dele para que um dia a sua essência divina triunfe das sombras do erro.
Cesar observava o amigo Magaldi e enviava-lhe vibrações de fé e a morosidade, enquanto pensava que todos os investimentos feitos para a recuperação daqueles que delinquem, ainda se consolidavam, verdadeiramente, no ir e vir das vidas sucessivas e imaginou no longe dos tempos em que uma só reencarnação poderá ensejar tanta evolução, quando o mal já estiver com os seus tentáculos decepados pela melhoria das criaturas. E na cripta da sua alma ouviu-lhe a voz:
“Buscai, primeiramente, o Reino e sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas..”[2]
Magaldi
Final da primeira temporada
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