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O filho mais velho, o segundo andar




“...no segundo localizamos o «domicílio das conquistas atuais», onde se erguem e se consolidam as qualidades nobres que estamos edificando;” (XAVIER, Francisco C. No Mundo Maior. 11. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1983. Cap. 3. Pg. 47)

 

Digamos que um homem ou uma mulher saudável sejam capazes de alcançar certa identificação com a sociedade sem perder muito do seu impulso individual ou pessoal. É claro que deve existir alguma perda, relativa ao controle do impulso, mas não é nada normal uma identificação extrema com a sociedade acompanhada da perda total do senso de self, e da autovalorização (self importance)…

O principal é que o homem ou a mulher sinta o que estão vivendo a própria vida, assumindo responsabilidade pela ação ou pela inatividade, e sejam capazes de assumir o crédito pelo sucesso e a culpa pelas falhas. Em outras palavras, pode-se dizer que o indivíduo passou da dependência para a independência, ou para a autonomia.

(Winnicott D. (2021) Tudo começa em casa. São Paulo. Ubu Editora, pág. 28)

 

Será injusto abordar o segundo andar da Casa Mental na perspectiva de uma dimensão antipática. O segundo andar da Casa Mental é a instância psíquica na qual estamos assentados, onde vigora nosso presente, nossa razão. É onde situamos as leis de sociedade, igualdade, liberdade, progresso e trabalho, portanto leis que facultam crescimento psíquico e espiritual. Mais adiante, veremos que é nesse andar da Casa Mental que empreendemos nossos esforços de ascensão.

Entretanto, o segundo andar também pode ser um lugar de fixações perigosas, como o trabalho, por exemplo, quando este se estabelece como um local de permanência excessiva. Em outras palavras, quando o indivíduo só trabalha, criando uma estagnação do crescimento e uma detenção da criatividade.

 

Nervos, zona motora e lobos frontais, no corpo carnal, traduzindo impulsividade, experiência e noções superiores da alma, constituem campos de fixação da mente encarnada ou desencarnada. A demora excessiva num desses planos, com as ações que lhe são consequentes, determina a destinação do cosmo individual(...) quem se entrega, de modo absoluto, ao esforço maquinal, sem consulta ao passado e sem organização de bases para o futuro, mecaniza a existência, destituindo-a de luz edificante; (XAVIER, Francisco C. No Mundo Maior. 11. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1983. Cap. 3.)

               

Uma coisa é trabalhar, a outra é ser escravo do trabalho. Uma coisa é o trabalho ser uma expressão de criatividade e riqueza em seu amplo sentido, a outra é ser uma robotização. Algo relacionado a uma repetição maligna na qual a alma é sugada e a existência se esvai.

 

674. A necessidade do trabalho é Lei da Natureza?

“O trabalho é Lei da Natureza, por isso mesmo que constitui uma necessidade, e a civilização obriga o homem a trabalhar mais, porque lhe aumenta as necessidades e os gozos.” (KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 91. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2008.)

 

Faz parte da resposta, “para aumentar as necessidades e os gozos…” Fica claro na colocação que o trabalho é meio e não fim. O trabalho é “para alguma coisa”. Com certeza, serve para estabelecer a disciplina e a organização da mente, mas também sugere que a pessoa necessita de outros espaços vitais para se manter saudável e, para isso, a criatividade e a capacidade de se vincular e desenvolver novos recursos de realização precisam estar disponíveis na vida psíquica.

Seja qual for a definição a que cheguemos, ela deve incluir a ideia de que a vida vale a pena - ou não - ser vivida, na medida de a criatividade ser - ou não - parte da experiência da vida de cada um.


Para ser criativa, uma pessoa tem que existir, e ter um sentimento de existência, não na forma de uma percepção consciente, e sim como uma posição básica a partir da qual operar.

Em consequência, a criatividade é o fazer que, gerado com base no ser, indica que aquele que é, está vivo. Pode ser que o impulso esteja em repouso; contudo, a palavra “fazer" pode ser usada com propriedade, já existe criatividade. 

(Winnicott D. (2021) Tudo começa em casa. São Paulo. Ubu Editora, pág. 43)

 

No contexto da parábola, podemos perceber com clareza que o filho mais velho ficou estagnado no nível da repetição não criativa. Conforme Winnicott, o fazer precisa ser uma extensão do ser para que não seja mecânico e desvitalizado.

Aqui podemos pensar nas pessoas que se sentem mortificadas no seu trabalho. Geralmente o problema não é o trabalho em si, até porque encontramos indivíduos que trocam de trabalho e continuam se sentindo do mesmo jeito. A dificuldade é como a pessoa se sente na vida perante ela mesma, em sua relação com os outros e com suas atividades.

Outro aspecto importante é a questão da rivalidade entre irmãos. Sobretudo o descontentamento do(a) filho(a) mais velho(a) quando nasce um irmão(ã).

No contexto da parábola do filho pródigo temos essa situação. Como filho mais velho, ele foi único por algum tempo. No início todo o espaço era dele, até que o irmão nasceu e quebrou alguma coisa. O nascimento de um irmão quebra a onipotência da criança que é obrigada a transformar o sentimento de posse absoluta de tudo em capacidade de compartilhamento. Nem todo o filho mais velho tem no irmão recém-chegado um rival e algumas crianças conseguem acomodar essa situação de serem destronadas e se relacionar de forma positiva com o novo integrante da família. No entanto, há um primeiro momento em que as coisas não são tão favoráveis assim. Por isso é tão comum o ciúme, a raiva, o sentimento de ter sido abandonado, porque o narcisismo inicial é fortemente abalado. Tudo isso é natural e faz parte do processo de desenvolvimento. Todavia, espera-se que no passar do tempo essas condições possam ir amadurecendo e a criança maior possa encontrar também vantagens de ser mais velha, equilibrando as diferenças e conquistando um espaço próprio.

Porém, na parábola do filho pródigo isso parece não ter acontecido de modo favorável quando apareceram as dificuldades. A parábola cita que a festa começou antes do filho mais velho voltar do trabalho. 

Vamos aprofundar a reflexão sobre esta questão, na próxima coluna. Até lá! 

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