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O filho mais velho, o segundo andar (parte 3)




Ele ficou irado e não queria entrar.

É quando o pai se dirige a este pela primeira vez. Até esse momento, diferente do estado emocional que o pai tivera, em relação ao filho mais novo, quando lhe esperava, e ao longo da estrada, vendo ele se aproximar, com o filho mais velho, simplesmente tratou de começar a festa sem levar-lhe em consideração. Depois de demonstrar sua indignação com a alegria festiva, foi que o pai o procurou e insistiu para que também participasse da festa. Talvez o pai tenha imaginado que o filho velho estivesse feliz com o retorno do irmão, é possível. Se este estivesse feliz com sua própria vida e suas escolhas, poderia ter se aliado à alegria do pai e, maduramente, acolhido o irmão que voltava em visível condição de necessitado. Por que não? Se ele estivesse tranquilo com sua decisão, poderia comemorar junto ao pai pelo retorno do irmão, afinal de contas, a condição do irmão que retornava, não era das melhores: estava envergonhado e carente. No entanto, não parece que esse era o contexto. Todos sabiam que o filho mais novo havia renegado suas origens e tradições, todos consideravam que o retorno dele seria uma ofensa à moral do pai. O pai também não desconhecia esse fato. Sabia que se o filho voltasse, ele teria que ignorar todas as regras que havia defendido a vida toda. Mas, intimamente, sentia uma saudade infinita do filho e passaria por cima de qualquer tradição para acolher o filho amado. É possível que tenha providenciado uma festa de imediato para evitar qualquer tipo de reação agressiva dos membros do povoado contra o filho pródigo no seu retorno inesperado. Todavia, o fato é que ele não considerou o filho mais velho em nenhum momento. Não cogitou sobre seus sentimentos, unicamente se dirigiu a ele quando ele não quis entrar na aldeia para participar da festa.


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... O seu pai, porém, saindo, o exortava...


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Em resposta ao seu pai, disse: Eis que te sirvo há tantos anos, jamais negligenciei um mandamento teu, e nunca me deste um cabrito para deleitar-me com meus amigos.

Talvez o filho mais velho nunca tenha expressado seus sentimentos mais profundos e autênticos em relação ao pai. Sentia-se um escravo e culpava o pai por isso. Era do tipo que não ousava desobedecer ao pai. Essa é a diferença dele em relação ao seu irmão, ele era um obediente clássico e o irmão era um invejável desobediente.


…nunca me deste um cabrito para deleitar-me com meus amigos.

Esse é um ponto crucial. O filho mais velho permaneceu para ser reconhecido, é infantil. Poderia ter ficado por escolha, porque gostaria de fazer o mesmo que o pai. Nesse caso, não se importaria com a festa de retorno do irmão. Se estivesse resolvido em relação à escolha de permanecer junto do pai, não necessitaria que o pai lhe oferecesse um cabrito, pois estaria feliz com seu trabalho na aldeia ao lado do pai. O fato é que esperava algum tipo de reconhecimento por ter ficado ali. É evidente que isso implicava em algum tipo de sacrifício de seus desejos e curiosidades íntimas.


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Quando chegou este teu filho, que devorou os teus recursos com prostitutas, sacrificaste para ele o novilho cevado

Só faltou dizer: “E eu aqui perdendo tempo”! 

Não há nada pior para a realidade dos desejos do que o sentimento de que se perdeu tempo. O tempo que passou não se recupera jamais. O que passou, passou. No momento que o mais velho percebe que o pai se abraça ao mais novo, que festeja a sua volta, que acolhe o filho pulsional e completamente humano, percebe que deixou de aproveitar alguma coisa da vida. Dá-se conta que não viveu por si mesmo e sim para conquistar o reconhecimento do pai. 


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"Ele, porém, lhe disse: Filho, tu estás sempre comigo, e todas as coisas minhas são tuas.”

Talvez pudesse também dizer: “Inclusive o tédio…”

A vida na aldeia não era nada divertida. Tudo o que tenho é seu. De fato, eles compartilhavam tudo de bom e de ruim, a segurança do trabalho garantindo a subsistência, mas também da vida entediante da aldeia, onde tudo era sempre igual e monótono. O pai já havia repartido a herança entre os dois filhos, o mais velho poderia ter feito o que quisesse de sua vida. Poderia ter ido embora também, pois havia recebido o mesmo que seu irmão. O que resolveu fazer? Ficou na aldeia perto do pai. Por que será? Podemos cogitar muitas coisas. Mas, o certo é que a vida prosseguiu do mesmo jeito para ele, tinha recursos guardados, mas continuava vivendo do mesmo jeito de sempre.


tu estás sempre comigo, e todas as coisas minhas são tuas.

O filho mais velho não se diferencia do pai, seguiu vivendo como se nada tivesse acontecido, mas o fato é que desde que o irmão mais novo provocou uma ruptura nas tradições, a vida não foi mais a mesma. O mais velho poderia ter renunciado receber a sua parte na herança, afinal permaneceu junto com o pai, mas recebeu, guardou e continuou ali. Fez de conta que não havia nada de diferente, mas não recusou receber sua parte, guardou e seguiu só com as vantagens. Não foi nada admirável. A sua vida era algo muito comum. Podemos cogitar que a vida do pai também pudesse ser entediante, quem sabe?


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Era necessário, porém, nos deleitarmos e alegrarmos, porque este teu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e foi encontrado.

A volta do irmão foi motivo de alegria. Será que só por ele? Será que também todos não estavam mortos igualmente? Será que só o irmão estava morto? Ou todos estavam perdidos e foram achados? Quem se salvou de fato?

Aqui podemos pensar que a Parábola do Filho Pródigo não é uma parábola de salvação, no sentido teológico. Mas, uma oportunidade de salvação coletiva no campo emocional e humano.

Quando o filho retorna e a alegria volta à aldeia, essa alegria não é só pelo filho, mas pelo pai também. O patriarca estava triste também, e a alegria retorna para este. O retorno do filho salva também o pai, aliás salva a todos porque cria algo novo em um lugar morto de novidades. Quando o pai se dirige ao filho mais velho, e o convida a participar da festa, o está convidando para se salvar também.

É como se dissesse: vamos sair da chatice que foi nossa vida até esse momento! Vamos ouvir o que seu irmão tem para nos contar, o que ele viveu enquanto esteve fora da aldeia, quais são suas histórias, o que existe de diferente além do que conhecemos aqui. Venha para a festa filho! Nós também podemos nos alegrar. De certo modo o teu irmão viveu coisas diferentes das nossas e podemos aprender com ele. É a nossa chance de mudar nossa aldeia, de dar boas risadas com ele e nos divertirmos juntos. Não somos nós que estamos salvando o teu irmão, ele é que voltou para nos salvar!

São salvações diversas, de certo modo cada um oferece um tipo de solução diferente para o problema alheio. O pai oferecerá o alimento para a fome do filho que retorna, não só de alimento físico, mas emocional, oferece sua família de volta retornando ao lar. Porém, o filho volta com a solução para a sede de alegrias do pai e dos demais. Para isso todos necessitam estar abertos para esse saboroso banquete. No entanto, algumas virtudes serão necessárias, aquelas mesmas do Sermão da Montanha.

O pai representa a sabedoria na qual o afeto não está subjugado às tradições. Ele tem uma outra virtude, a de abraçar o filho que volta em condições de muita vergonha e o seu arrependimento autêntico revela humildade e força. O pai é capaz de perceber isso. Esses valores morais e emocionais são mais importantes do que qualquer convenção. Ele viveu sua vida, teve filhos e atendeu a cada qual de diversas maneiras. Esse era o grande momento de sua vida. Não desperdiçou.

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