O filho pródigo
“Não vejo esperança para o futuro do nosso povo se ele depender da frívola mocidade de hoje, pois todos os jovens são, por certo, indizivelmente frívolos… quando eu era menino, ensinavam-nos a ser discretos e a respeitar os mais velhos, mas os moços de hoje são excessivamente sabidos e não toleram restrições.”
Hesíodo (Século VIII a.C.)
“Não há tolice que se diga agora / Que não tenha sido dita antes / Por um sábio grego de outrora.”
Mário Quintana
Já ao tempo dos filósofos gregos, qual Sócrates e Hesíodo, os adultos viam seus adolescentes como indivíduos problemáticos querendo romper costumes.
Normalmente, se tem a ideia de que os jovens da época em que vivemos são diferentes dos antigos, mas isso é um engano. A adolescência é um fenômeno sociocultural de todas as épocas. Atualmente, os adultos também costumam achar que os adolescentes são indivíduos problemáticos, irresponsáveis, querendo mudanças absurdas, em qualquer época. Isto acontece porque a adolescência é um período especial e único na existência. O que seria um sinal de transtorno emocional em outras fases da vida, na adolescência pode não ser, pois nesta fase o normal é não ser normal.
Assim como se espera que uma criança seja criança na própria infância, e não uma criança amadurecida precocemente, ou um adulto de calças curtas, na adolescência, o esperado é que o jovem não seja todo certinho, com pensamentos e atitudes de pessoas mais velhas. Geralmente, o que a sociedade aplaude, em matéria de comportamento, são expressões precocemente adaptadas, que não são as esperadas para a vida emocional do indivíduo que se desenvolve. Desse modo, aquele adolescente bonzinho e bem-comportado possivelmente não esteja vivendo o que se espera para essa fase de sua vida. Veremos que isso se aplica ao irmão mais velho da parábola que ora analisamos.
Winnicott adverte:
Um adolescente não deve ser curado como se fosse um doente. Acho que essa é uma parte importante da avaliação de saúde. Isso não implica negar que possa haver doença durante o período da adolescência… À medida que deixam esse estágio, os adolescentes começam a se sentir reais, e adquirem um senso de self e um senso de ser. Isso é saúde. Do ser, vem o fazer, mas não pode haver fazer antes de ser - eis a mensagem que eles nos enviam.
(Winnicott D. (2021) Tudo começa em casa. São Paulo. Ubu Editora, pág. 25)
É muito mais aplaudido em nosso meio quem faz o que se espera, no tocante ao cumprimento de regras. O “fazer” antes do “ser” para Winnicott, e também para Jesus, é a expressão de uma anomalia do crescimento. Não é à toa que Jesus recomendava assemelharmo-nos às crianças, porque elas são espontâneas e naturais. Também, sob o ponto de vista psicológico, o desenvolvimento emocional necessita passar por uma fase de indefinições, exatamente o período da adolescência, quando nada está ainda definido e estruturado, pelo contrário, acontece um turbilhão de indefinições e inseguranças que fazem parte de uma fase de conturbações internas e de adaptação ao ambiente social.
O comportamento do filho pródigo é o do adolescente. Quis desafiar-se, partir para além da aldeia monótona e previsível. Não bastavam as garantias de alimento e proteção que o pai proporcionava. Assim como o irmão mais velho, ele poderia contentar-se em permanecer honrando a tradição da permanência e obediência aos costumes e seria tudo mais fácil: saberia o que encontrar quando acordasse todos os dias, faria sempre a mesma coisa, teria comida garantida e o trabalho à espera de sua dedicação diária. Ele não precisaria pensar em nada diferente, pois tudo já estava pronto, definido através das múltiplas gerações que o antecederam. Uma tradição se constrói em várias gerações dentro de uma cultura. Ao dormir, não teria dúvidas, apenas certezas, uma sequência de dias iguais com a presumida garantia de que fazendo o que se esperava de um jovem obediente, tudo estava delineado e pronto para o seu futuro.
Será que o pai, por sua vez, havia feito também exatamente a mesma coisa que seus antepassados? A parábola não nos deixa saber sobre ele, mas é uma possibilidade. Não é incomum repetirem-se padrões de comportamento de uma geração para outra.
Seu irmão mais velho também estava conformado em continuar a tradição.
Tudo na aldeia transcorria, até então, conforme o previsto.
No entanto, as coisas não estavam boas para o jovem sedento de novidades, e ele desejou algo diferente. O mundo devia ser bem mais divertido e fascinante do que a pacata vida na aldeia. Seu pai havia reunido muitos recursos e a sua parte da herança era suficiente para que ganhasse o mundo. Haveria de herdar, no futuro, a parte que lhe cabia, então por que não receber agora e viver enquanto jovem tudo o que podia viver? Qual a vantagem de ter recursos quando já estivesse velho, sem os desejos vivos da mocidade?
Estou afirmando que o adolescente é imaturo. A imaturidade é um elemento essencial da saúde na adolescência. Só existe uma cura para a imaturidade - a passagem do tempo e o crescimento rumo à maturidade trazida pelo tempo. No fim, essas duas coisas resultam no surgimento de uma pessoa adulta.
(Winnicott D. (2021) Tudo começa em casa. São Paulo. Ubu Editora, pág. 190)
Não se trata de aplaudir a imaturidade e nem aceitar passivamente os comportamentos impulsivos do adolescente. O adulto tem a tarefa de regular essas expressões, até para que os jovens não se exponham a riscos, mas é necessário que estes adultos, que convivem com ele, possam colocar-se no seu lugar e compreendam que não é criticando ou condenando essas características que irão modificar posturas. Sempre o diálogo é o melhor caminho.
No contexto da parábola havia um problema sério. Devido à cultura da época, e da tradição hebraica, só se teria direito à herança por ocasião da morte do patriarca. Receber a herança antes significava uma ofensa ao pai porque agindo assim o filho demonstrava que seu pai já estava morto para ele. Desse modo, ao requerer sua parcela antecipada, o filho renunciaria à própria descendência e, a partir daquele momento, não teria mais direito a nada. Tudo o que o pai adquirisse a partir dali seria herdado apenas pelo filho mais velho!
O que faria? Levaria adiante o seu desejo? Para isso teria que dizer ao amado pai que estava abdicando de tudo, mas, o mais grave, estaria dizendo para o pai que este estava morto para ele, a partir dali.
Para assumir essa decisão e enfrentar todas as consequências necessitaria de um motivo muito forte. Não estava brigado com o pai, tampouco estava diante de alguma oferta objetiva que lhe atraísse ou lhe colocasse em desafio concreto.
Que desejo perturbador e intenso esse, capaz de enfrentar tal desafio? Que força era essa que nascia de seu mundo interno, movido pelos desejos e atração pelo desconhecido que iria fazer com que ele enfrentasse a tudo e a todos?
É o que veremos mais adiante!
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