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O filho pródigo - Parte 2




No livro No Mundo Maior, o Espírito André Luiz fala do primeiro andar da Casa Mental, através dos ensinamentos de Calderaro:

 

Não podemos dizer que possuímos três cérebros simultaneamente. Temos apenas um que, porém, se divide em três regiões distintas. Tome­mo-lo como se fora um castelo de três andares: no primeiro situamos a «residência de nossos impulsos automáticos», simbolizando o sumário vivo dos ser­viços realizados; (XAVIER, Francisco C. No Mundo Maior. 11. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1983. Cap. 3. Pg. 47)

 

O primeiro nível da casa mental é o andar dos instintos e pulsões, em que forças vivas trabalham, já instauradas, de modo inato, determinando impulsos e tendências que surgem espontâneas.

Kardec, quando em “O Livro dos Espíritos” indaga aos Espíritos sobre a questão da vida instintual, obtém uma resposta convergente à visão da psicanálise. O Espiritismo explorou desde o início a importância desse fator para o funcionamento do psiquismo.

 

72. É acertado dizer-se que as faculdades instintivas diminuem à medida que crescem as intelectuais?

“Não; o instinto existe sempre, mas o homem o despreza. O instinto também pode conduzir ao bem. Ele quase sempre nos guia e algumas vezes com mais segurança do que a razão. Nunca se transvia.” (TRADUÇÃO Guillon Ribeiro)


Obviamente que a condição instintual permanece no humano, especialmente em determinadas etapas da existência, como no caso da adolescência, em que as pulsões sexuais estão altamente estimuladas em função da atividade hormonal.

A imaturidade é uma parte preciosa da experiência adolescente. Nela estão contidas as características mais empolgantes do pensamento criativo, sentimentos novos e desconhecidos, ideias para um modo de vida diferente. A sociedade precisa ser sacudida pelas aspirações daqueles que não são responsáveis. Se os adultos abdicam, os adolescentes tornam-se adultos prematuramente, mas como resultado de um processo falso…

A ideia que o adolescente faz de uma sociedade ideal nos instiga e estimula, mas a questão central da adolescência é justamente sua imaturidade e falta de responsabilidade. Esse aspecto, o mais sagrado de toda adolescência, dura apenas alguns anos, e é uma característica que precisa ser perdida à medida que cada indivíduo alcança a maturidade.

(Winnicott D. (2021) Tudo começa em casa. São Paulo. Ubu Editora, pág. 192)


Na Parábola dos dois filhos, que estamos analisando, este é o caso do filho mais novo, o pródigo! Ele tinha uma natureza, impulsiva, pulsional, era movido predominantemente pela necessidade de prazer e novas descobertas. Em nenhum momento se deteve a pensar ou ficar em dúvida diante da possibilidade de se arrepender por motivos que desconhecia. Emocional de início ao fim, incapaz de fazer reflexões mais demoradas.

 Foi nessa condição que não se demorou a decidir:


15:12 Pai, dá-me a porção que me cabe da propriedade. Ele repartiu os recursos entre eles.


Interessante que o pai não tenta demover o filho dessa ideia absurda. Também não lhe adverte que seria uma decisão sem retorno. Apenas atende ao desejo do filho. Como era justo, divide em vida a herança para os dois filhos. Ambos estavam livres para fazerem o que desejassem de suas vidas. Foi simétrico, equânime, mostrando generosidade e coragem diante de tradições rígidas que imperavam na cultura em que viviam.

No entanto, o mais velho resolve permanecer na aldeia, com direito a continuar recebendo os lucros vindouros do seu trabalho junto ao pai.

O que teria feito com que o mais velho resolvesse permanecer mesmo após aceitar a sua parte da herança? Não sabemos ao certo, mas podemos conjecturar. Sua vida seguiria segura, exatamente igual ao que sempre foi, porém, agora, com uma sensação de que seria o único filho, o especial que ficou ao lado do pai. Nunca pensaria que o irmão ingrato, que negou a paternidade e desrespeitou a tradição, poderia merecer algum dia qualquer consideração do pai ofendido e humilhado diante de todos de sua comunidade. Por certo, não retornaria, e se assim o fizesse, não seria aceito de volta porque os costumes eram precisos e essa possibilidade sequer poderia ser cogitada. A partir daquele momento, ele, o filho mais velho, não teria mais irmão. De agora em diante, seria só ele o único filho de seu pai, tal como o fora um dia, antes de seu irmão nascer. Essa não era uma novidade em sua memória emocional. Já havia sido filho único e deixou de sê-lo por ocasião do nascimento do caçula. Quando o irmão nasceu, perdeu essa vantagem, foi destronado, como vulgarmente acontece com o primeiro, logo depois que nasce o segundo filho. Não sabemos exatamente, porém podemos imaginar em nossa fantasia que ele tenha experimentado naquele momento a sensação de voltar a ser o único filho novamente.

Quem estiver lendo essas páginas poderá pensar que não temos como saber se foi exatamente assim. Com justiça, poderá considerar que isso é uma ficção imaginativa. E estará absolutamente correto. Mas, o que importa? Não temos esse compromisso, nem a pretensão de saber a história exata, uma vez que ela nos chega através de um livro histórico: a Bíblia. Contudo, podemos expandir nossa criatividade, considerar o que a parábola suscita e trazer para nossas vidas boas indagações, dentro do que essa tem de comum no âmbito das pessoas como elas são, ou como somos todos nós. Estamos atraídos por novas reflexões e dispostos a pensar em ensinamentos úteis. 

Os seres humanos não são tão diferentes assim em suas emoções e em suas necessidades afetivas. Somos todos muito parecidos em nossas fragilidades e desejos como criaturas que nascemos e morremos, semelhantes em nossa humanidade.

O filho mais velho parece estar na posição daquele que resolve não mudar nada em sua vida. O que de melhor ele poderia fazer, dentro de sua mente, para tudo dar certo a partir dali, era continuar fazendo exatamente o que o pai esperava, e dando sequência ao trabalho, na aldeia familiar. Pelo menos imaginava que o pai esperava isso dele. O filho obediente imagina que, assim, será mais amado, sobretudo quando tem a chance de reinar absoluto sem a incômoda presença do irmão mais novo.

A parábola não dá uma informação que faça crer que o filho mais velho tenha ficado condoído, ou sensibilizado, pela partida do irmão mais novo. Não diz nada sobre os sentimentos do filho mais velho, nada sobre algum tipo de tristeza porque o irmão mais novo foi embora, ou qualquer sentimento de solidariedade a este. Ao contrário, mais tarde, como veremos, ele demonstraria muita contrariedade com o retorno do irmão.

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