O filho pródigo - Parte 3
Não muitos dias depois, reunindo todas as coisas, o filho mais novo ausentou-se do seu país para uma região distante, e lá dissipou a sua propriedade, vivendo dissolutamente.
Nosso personagem, que seria conhecido como o filho pródigo, não demoraria para ir para bem longe. Sim, não poderia permanecer perto dali. A aldeia era um lugar sem vida para ele e a alegria, por certo, deveria estar em algum outro lugar que não fosse aquela pacata aldeia de onde sua família não se arriscava a sair.
O filho pródigo representa esse arroubo juvenil, “quero ir para bem longe” porque certamente a felicidade “está em outro lugar distante” e não ali na aldeia. Não, felicidade apenas não, e sim tudo que fosse fascinante e ele não conhecia, mas existia em algum lugar e, portanto, ele merecia. Sua experiência de vida, que era nenhuma, não lhe permitiria antever qualquer possibilidade de dar errado o seu movimento em direção ao novo e ao desconhecido.
O desejo é assim, não tem limites! E não há nada de errado no desejo, pelo contrário, precisa existir sempre, ou há algo de errado e triste na pessoa. Porém, o desejo envolve riscos inevitáveis.
Ele foi resoluto e o pai não procurou dissuadi-lo.
A parábola não nos deixa saber se ele tinha outra possibilidade, para fazer diferente do que fez. Será que ele poderia passar apenas uma temporada longe de casa, com direito ao retorno? Tirar umas férias da aldeia? Parece que não. Nem o pai ofereceu essa possibilidade, nem ele expressou qualquer solicitação neste sentido. Simplesmente, disse que queria ir embora, não houve tentativa de permanecer ligado ao pai ou à família.
O adolescente é assim.
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Não muitos dias depois, reunindo todas as coisas, o filho mais novo ausentou-se do seu país para uma região distante, e lá dissipou a sua propriedade, vivendo dissolutamente.
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Depois dele gastar todas as coisas, houve naquela região uma fome severa, e ele começou a passar necessidade.
O primeiro andar do cérebro, ou da Casa Mental, serve como fonte pulsional para o prazer e, se não for secundado pelo segundo andar, que é regido pelo princípio de realidade, determina um funcionamento psíquico apenas no âmbito de gratificações. Isso, certamente, trará problemas porque a vida real é limitante, e não é possível viver apenas realizando desejos pulsionais.
“Na região do córtex motor, zona intermediária entre os lobos frontais e os nervos, temos o cérebro desenvolvido, consubstanciando as energias motoras de que se serve a nossa mente para as manifestações imprescindíveis no atual momento evolutivo do nosso ser.” (1)
Podemos pensar também no processo evolutivo do Espírito imortal, quando passa pela fieira das reencarnações, buscando a satisfação de seu campo de prazeres sem considerar limites e responsabilidades. Sobrevirão existências de privações para situar o Espírito em evolução no campo da realidade evolutiva. Ou seja, na vida presente o amadurecimento se dá quando surgem frustrações e dificuldades, e assim também nas sucessivas encarnações: o Espírito evolui moldado a golpes de dificuldades, porque dificilmente há aprendizado nas circunstâncias amenas e felizes.
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E, partindo, associou-se a um dos cidadãos daquela região, que o enviou para os seus campos para apascentar porcos.
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Ele desejava saciar-se com as alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhe dava.
Aqui vemos em ação a Lei do Trabalho, movida pela lei de conservação. A fome obrigou à sobrevivência. Aceitou qualquer trabalho que pudesse minimamente lhe remunerar para comprar comida. No entanto, o que ganhava não era suficiente nem para isso. A generosidade do pai foi lembrada, pela primeira vez, quando ele comparou e percebeu que ninguém lhe dava nada.
Pensava que o mundo ideal não era o da casa do pai. Considerava que na aldeia só haviam coisas chatas e sem importância, só que descobriu, a duras penas, que fora de lá não existia o mundo de alegrias que havia imaginado.
Queremos refletir aqui sobre certos ambientes familiares, muito protegidos, em que os pais não querem que os filhos passem trabalho, e lhes gratificam de forma perigosa, gestando uma falsa ideia de que a vida será para eles, lá fora, do mesmo jeito que no conforto da casa do pai.
Claro que é absolutamente compreensível que os pais se preocupem em proteger seus filhos das dificuldades. No entanto, passa a ser fator de adoecimento quando isso se transforma em superproteção, na qual os pais procuram evitar que os filhos tenham experiências, ou vivenciem desejos, que eles mesmos não tiveram oportunidade de experimentar. E, neste caso, não é apenas uma proteção ao filho, mas uma castração do mesmo, pois acabam impedindo que ele tenha experiências que eles próprios não vivenciaram. Isso é um tipo de roubo, quando os pais privam os filhos das próprias vivências.
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Mas, caindo em si, disse: Quantos assalariados do meu pai têm abundância de pães, e eu aqui pereço de fome!
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Após levantar-me, irei ao meu pai e lhe direi: Pai, pequei contra o céu e diante de ti.
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não sou mais digno de ser chamado teu filho, faze a mim como um dos teus assalariados.
Neste ponto da parábola, podemos pensar em um movimento interno do filho pródigo, de passagem do primeiro para o segundo andar da Casa Mental, que ele se vê obrigado a fazer por força da dura realidade: no seu mundo fantástico, de prazer inesgotável, tão compatível ao universo infantil das crianças, não era capaz de enfrentar acontecimentos verdadeiros. É quando ele descobre que, em seu narcisismo, não pode fazer o que bem entender sem arcar com as consequências. Assim, foi obrigado a se posicionar internamente de modo diverso e algumas leis morais de segundo andar passam a vigorar em seu mundo íntimo, como é o caso da lei do trabalho e a lei do progresso.
Referência
1 (XAVIER, Francisco C. No Mundo Maior. 11. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1983. Cap. 3. Pg. 46)