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O filho pródigo - Parte 4




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Levantando-se, dirigiu-se ao seu próprio pai.

 

Neste ponto da Parábola, o filho pródigo se vê obrigado a retornar, não mais como o filho imaturo, mas como o princípio do homem que seria no futuro, assumindo responsabilidades sobre si mesmo a ponto de saber que necessitava de apoio e da ajuda do outro. Ele escolheu retornar para o pai, a fim de viver sua nova fase.

Ele saiu menino, retornou um homem em transformação.

Não é um retorno festivo, mas de uma certa melancolia, pois percebeu que não pôde fazer tudo o que desejava sem graves consequências. Esse é um sofrimento necessário ao crescimento, sem ele a vida seria uma grande teoria, não haveria o aprendizado das experiências.

Diferente do irmão que permaneceu na aldeia e não mudou nada, ele viveu, aprendeu, e estava pronto para novas etapas de aprendizado. O curioso é que não tinha ideia de que sua volta seria motivo de comemoração. Nunca contou com isso.

Há uma virtude de terceiro andar que se apresenta nesse ponto, em nosso personagem de estudo: a humildade.

Esse é o ponto de toque especial na atitude do filho pródigo que lhe permite o crescimento. É uma das partes mais lindas da parábola.

O primeiro andar, pulsional, encontra a realidade que lhe obriga a vivenciar o segundo, que é o andar das vivências do presente, da Lei de Sociedade, de Igualdade, Trabalho, Progresso e Liberdade. Todas essas leis morais se apresentam fortemente ao seu mundo psíquico. Tudo isso só foi possível porque ele teve uma virtude que deu acesso ao terceiro andar da Casa Mental.  Dobrou-se sem se envergonhar. A humildade é corajosa. O indivíduo orgulhoso jamais se dobra e por isso, não cresce, não evolui.

 

Distribuímos, desse modo, nos três andares, o subconsciente, o consciente e o superconsciente. Como vemos, possuímos, em nós mesmos, o passado, o presente e o futuro. [1]

 

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Estando ela ainda longe, seu pai o viu, compadeceu-se, correu, lançou-se sobre o pescoço dele e o beijou repetidamente

 

Aqui ocorre o inusitado… Estando ainda longe, seu pai o viu… O pai estava à espera, não foi atrás dele, mas nunca desistiu de acreditar que o filho retornaria.

Esse ponto nos permite algumas perguntas:

Teria o pai ficado curioso com a coragem desse filho que resolveu sair e viver o desconhecido? O filho fez o que ninguém havia feito. Possivelmente, o pai nunca tenha vivido fora da aldeia, ou pelo menos não há referência sobre isso.

O que terá experienciado o filho? Como teria sido a vida dele longe dali? 

O abraçou e beijou… sim, o pai estava pronto para oferecer ao filho tudo o que este precisava. Podemos pensar também que o filho trazia algo para oferecer ao pai, algo novo, diferente das notícias sempre iguais daquela vida monótona que todos levavam. O filho pródigo é o diferente e, portanto, o que poderia salvar a aldeia. Não era só o filho que estava perdido, o pai também estava, na repetição de uma vida sem graça e sem novidades. Por isso, ele foi recebido com tanta efusão afetiva. O motivo de alegria não era apenas porque iria ajudar o filho, mas porque teria muito para receber.

O pai aqui considerado é mais semelhante aos pais humanos, que mesclam capacidades adquiridas durante a vida, com lacunas do que não foi vivenciado e, portanto, também têm muito o que experimentar a partir das vivências dos filhos. Alguns pais não suportam isso, tem inveja dos filhos, não aceitam que estes tenham experiências diferentes das suas. Retaliam, dificultam, maltratam os filhos. Não foi o caso do pai do filho pródigo, que apresentou uma predominância de impulsos generosos. Os pais também podem se sentir realizados pelo que os filhos conquistam. Muitas vezes os filhos é que proporcionam aos pais a completude de suas insuficiências. É preciso ter capacidade de sublimação para acolher um filho que chega com algo tão diferente do que se possa esperar.

 

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Disse o pai para os seus servos: Trazei para fora a principal estola e vesti-o, dai um anel para a sua mão e sandálias para os pés.

 

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Trazei o novilho cevado, sacrificai-o e nos deleitemos, comendo-o,

 

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porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi encontrado. E começaram a deleitar-se

 

O pai vestiu e calçou o filho, tratando-o com honras de filho, e coloca em seu dedo o anel da aliança. 

Vamos fazer uma festa e alegrar-nos. Sim, agora há motivo para festa, a vida ali era triste sem ele, era uma vida sem vida. Nas famílias vemos muito isso: o filho que dá mais preocupação é também o que proporciona mais diversão. Quando examinarmos as condições do filho mais velho, teceremos reflexões sobre essa ideia. No caso do filho pródigo, temos a festa da Casa Mental, quando o terceiro andar abraça o primeiro, ou quando o primeiro alcança o terceiro.

Aqui, novamente, vemos o livre trânsito entre os andares da Casa Mental como condições desejáveis para a saúde psíquica. Ainda conforme André Luiz/Calderaro, a fixação em apenas um dos níveis dos três andares determina adoecimento. O desejável é exatamente um fluxo constante e dinâmico entre essas três potencialidades do nosso cosmo individual.

Percebemos que, sob o ponto de vista psíquico, a vida instintual se complementa com o desenvolvimento das condições morais, mas as expressões morais necessitam da seiva vivificante das pulsões instintivas. Por isso, Kardec chamou de Lei Natural, porque na natureza não há castração e sim harmonização de pedaços internos em nossa natureza íntima. Em palavras mais simples, sexualidade faz parte constitutiva da obra divina em nós.

 

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porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi encontrado. E começaram a deleitar-se.

 

Muitas pessoas entendem que o filho estava morto porque foi à farra, mas talvez o pai estivesse dizendo que ele já estava morto antes de sair da aldeia, assim como todos os que permaneceram lá. Uma aldeia de mortos vivos. A festa não era só para o filho, era para todos… O pai também estava morto e voltou à vida. A beleza da parábola do filho pródigo está no fato de que o filho voltou, foi salvo e salvou o pai. Ele precisava do pai, mas o pai precisava dele também e, de algum modo inconsciente, ele sabia disso.

Será que não haveria outro lugar para ele conseguir trabalho que não fosse a aldeia paterna? Provavelmente, sim! E tinha motivos de sobra para ir para outro lugar. Ele havia renunciado em vida a sua descendência e aos direitos de herdeiro, mas escolheu voltar justamente para o lugar de onde saíra. Ali existia um pai amoroso que lhe inspirava além das regras, todavia, também ele tinha alguma coisa para dar de si, não estava visando apenas receber. Em algum lugar dentro dele sabia que o pai precisava dele, tinha também algo para oferecer, e não se enganou.


Referência:

[1] XAVIER, Francisco C. No Mundo Maior. 11. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1983. Cap. 3

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