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O Julius cap. 10



“Mas, sobretudo, tende ardente amor uns para com os outros;

porque o amor cobrirá a multidão de pecados.”[1]

O menino dormia, placidamente, no colo da avó. Para a segurança da família Donato mudara-se com a mãe, Marcela e o pequeno sobrinho para um condomínio mais central onde ficavam mais protegidos de um possível ataque dos inimigos do irmão morto, uma vez que eles não sabiam quais eram as determinações do novo “chefe.”


Aproximava-se o primeiro aniversário de “Julius” na nova encarnação. Era um belo menino, saudável e com muita vivacidade, embora tivesse os acessos de pânico noturno que preocupavam a avó e o tio. Marcela irritava-se com o choro e, impaciente, não compreendia as razões profundas do desconforto do seu filho por mais que Donato explicasse cientificamente e Ivone alinhasse para ela as possíveis causas de natureza espiritual.


Luigi, o italiano, em processo de reeducação obteve permissão para aproximar-se, acompanhado por um dos assistentes da equipe de Madre Teresa, do filho, pela primeira vez. Fazia parte do método para sensibilizar aquele coração pela força do amor paterno.


O ex-traficante estava embevecido, contemplando a bela criança que dormia com a cabecinha de cabelos negros e encaracolados, recostada no regaço de Ivone. Queria poder acariciar, segurar o filho, mas sabia que a sua condição não permitia. Aprendera e exercitara durante dias os pensamentos de carinho, de amorosidade para com o filho, a mãe e os demais. Foram longos meses de esforço e persuasão com a autoridade dos instrutores que o orientavam.


Durante esse período houve uma ação que o colocou nas fileiras de trabalho mais insipientes do grupo. Uma grande mobilização das polícias evacuou um morro do Rio de Janeiro para assentar as bases de uma unidade de segurança, na tentativa de desbaratar e enfraquecer o domínio do tráfico. Para facilitar a desmobilização dos criminosos e poupar centenas de vida, a equipe de Madre Teresa retirava, durante as noites e dias, os chefes dos morros e seus soldados, durante o sono físico, para uma conversa com os ex-traficantes, ora desencarnados, e que já estavam em processo de reeducação, esboçando alguns laivos de arrependimento.


Eram momentos difíceis que requeriam grande soma de contenção por parte dos educadores daquele núcleo de reabilitação, porque muitos dos desencarnados foram os responsáveis pela inserção dos atuais traficantes no mundo do crime e estes, por sua vez, os responsáveis pela execução dos ex-chefes. Os reencontros eram dolorosos e o clima de acerto de contas muito perverso com acusações recíprocas e revelações de crueldades que o homem comum, que não transita nesses nichos trevosos, sequer concebe.


Sob o influxo da bondade da benfeitora e seus assistentes, os contendores foram cedendo, pois a persistência no mal provoca exaustão. Sem o revide que alimenta os ódios e produz o reforço dos impulsos vingativos, ambos os grupos iam arrefecendo e passavam, a cada encontro, a fazer uma reflexão sobre seus crimes e as cenas dantescas que a sua maldade produzia. A exteriorização das mentes daquelas criaturas mergulhadas no erro formava quadros aterrorizantes e como estavam distanciados do refúgio da matéria, com o ímpeto de retorno ao corpo bloqueado pela ação da espiritualidade, experimentavam com mais intensidade o sentimento de horror pelos próprios atos. Os desencarnados então passaram a narrar as experiências vividas após a morte e a intensidade dos sofrimentos, das perseguições e também do arrependimento, naqueles em que essa fase da reparação já estava mais consolidada.


Isabel participava em muitas dessas ocasiões e o contato com as cenas descritas pelos traficantes era doloroso e carecia de tratamento por parte dos trabalhadores do Alto a fim de que o sofrimento não interferisse na vida cotidiana da médium, quando despertava desses colóquios educativos.


Assim também ocorria, quando Luigi em suas fases de recaída aproximava-se dela e projetava as imagens dos crimes que cometera, como se quisesse afastá-la dele, uma vez que já começava a sentir afeição fraternal e gratidão por aquela alma que o auxiliava e que acompanhava, segundo lhe revelaram, o seu filho desde antes do nascimento. As almas ressequidas pelo mal habituam-se a não se renderem aos sentimentos, pois não cultivam amizades sinceras e as vezes sacrificam seus próprios afetos se isto se fizer necessário para a manutenção da própria vida. Ele custava a perceber que as relações ora estabelecidas obedeciam outro parâmetro, desconhecido para aquele ser embrutecido.


A orientação dos benfeitores amigos a Isabel era para que renovasse, diante das investidas daquele espírito necessitado e enfermo, as forças para perdoar e a energia para contrapor-se com firmeza e lealdade aos princípios evangélicos às catarses do desespero que ele produzia.


Desta forma os chefes do tráfico no morro “A” resistiram, mas não levaram a luta ao extremo; muitos se entregaram e foram presos, outros abandonaram o local. Luigi e os demais Espíritos arregimentados por Teresa tiveram êxito na persuasão dos criminosos. Conheciam a linguagem, os métodos e os receios daquele segmento e por isso incutiram neles alguns pontos de reflexão que, tais como as sementes lançadas na terra, levariam ainda longo tempo para a germinação, mas tiveram o impacto de amainarem os rigores da guerra que poderia ser deflagrada. Foi um duro golpe em algumas frentes do comércio infame da droga.


Luigi despertou do seu encantamento com a chegada de Marcela. Sempre a achara bonita, mas não tinha nada além de desejo por ela. Reparou que a mulher estava bem cuidada e vestia-se com mais classe, sem as roupas, adereços e maquiagem extravagante que costumava usar. Chegou a sentir ternura pela mãe do seu filho. Os pensamentos foram interceptados pela chegada de Donato que se aproximando da mãe beijou-a, afagou o filho e enlaçou Marcela, beijando-a com paixão.


Luigi sentiu que uma onda escaldante o envolveu. Um tumulto de emoções sacudiu-o violentamente. Não tinha o hábito de cultivar sentimentos profundos por quem quer que fosse, apenas o filho lhe despertara essa condição. Mas tinha o condicionamento para o poder sobre coisas e pessoas muito arraigado e Marcela lhe pertencia. Era assim que pensava. Sentiu que o irmão tomara o que era seu, talvez, pensava na sua excitação doentia, queira ficar com o meu filho também


- Nunca! Nunca! Esbravejava.


Avançou para o casal abraçado, como se fosse esmurrar os dois. Não conseguiu o intento, pois uma barreira se erguia entre ele e Donato, porém Marcela sentiu o impacto e levou a mão ao peito.


- O que foi minha querida? perguntou o médico.


- Não sei. Um aperto! Senti de repente.


Donato a fez sentar e foi buscar a valise com os instrumentos médicos para examinar.


- O bebe, pela ligação estreita estabelecida com a mãe, acordou chorando muito, em sobressalto, sendo consolado por Ivone que também percebeu tratar-se de alguma interferência espiritual nociva, o que a fez acariciar docemente o neto enquanto mentalmente proferia uma prece, envolvendo a ambiência do lar.


Os acompanhantes espirituais de Luigi o adormeceram e o retiraram dali.


Foi um tempo difícil. Luigi tinha muitas crises de intensa rebeldia, quer fosse por não aceitar o relacionamento do irmão com Marcela, quer fosse pela situação de tortura imposta aos criminosos presos e as suas famílias, pelos quais se sentia responsável. Para Isabel e o grupo foram muitos diálogos nas manhãs de trabalho mediúnico e muitas irradiações mentais durante o Evangelho diário. O que realmente dobrou aquela alma foi o amor pelo filho, que o fez repensar muitas de suas ações e renovar, pouco a pouco, os hábitos nefastos.


Hoje, o menino está superando a primeira infância, sob os cuidados desvelados de Ivone e Donato. A evangelização da infância tem um papel preponderante na trajetória do ex-guerrilheiro do Araguaia, que prossegue no seu aprendizado redentor.


Marcela não conseguiu redimir-se e sustentar seus deveres de mãe e companheira. Voltou para a vida noturna, estabeleceu relacionamentos fugazes com alguns chefes do tráfico e foi morta em uma emboscada que ceifou a vida do seu último companheiro.


Assim Julius experimenta a provação da orfandade imposta aos seus filhos na vida anterior, porém recolhe o amor desvelado da avó e do tio que supera, pouco a pouco, a decepção do abandono da mulher a quem entregou o seu coração.


Superadas as fases mais sofridas e difíceis, Luigi acalmou o coração e tem, inclusive, trabalhado nas equipes de Madre Teresa, junto às vítimas do tráfico, buscando condições de futuramente velar pelo filho, quando Donato e Ivone retornarem ao Grande Lar.


Continua, raramente a visitar Isabel durante as leituras matutinas do Evangelho, onde aprendeu tanto e transformou a sua caminhada. Foi numa destas ocasiões que deu notícias de que conseguira permissão para resgatar Marcela de uma das regiões difíceis da espiritualidade, tendo levado-a para os locais de refazimento onde serve.


A mediunidade é uma estrada luminosa onde percebe-se que a condição de filho de Deus é um passaporte perene, que somente aguarda o assentimento do filho que anda distante da Casa do Pai, a fim de que retornar ao seu aprisco.


Relatando a história do Julius e da médium Isabel esperamos trazer alento aos corações que sofrem, fustigados pelas dores que carregam, sejam quais forem, lembrando que a nossa destinação é a perfeição relativa para a qual Deus nos atrai.

F I M ? Não, RECOMEÇO!

Referência:

[1] 1 Pedro 4:8


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