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O problema do perfeccionismo



Vinícius Lima Lousada[1]

Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, que pagais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, e deixais as {coisas} mais pesadas da Lei: a justiça, a misericórdia e a fé. Deveis fazer estas {coisas} e não deixar aquelas. 23:24 Guias cegos! Coais o mosquito e engolis o camelo! (Mateus 23:23-24)[2]


A busca pelo autoaperfeiçoamento é uma vocação ontológica do ser integral. Desde a sua criação, o espírito é mobilizado internamente por um anseio de progresso que, ao longo do processo evolutivo e mais conscientemente na condição hominal, o conduz à busca do bem, do belo e do justo em tudo quanto vive.

Nesta jornada de progresso espiritual o Espírito é mobilizado pelas vivências à conquista da perfeição relativa e anela, quando mais maduro, alcançar a excelência moral através de uma conduta reta, que atenda ao chamado interior em prol de sua evolução, todavia, como ensinam os Espíritos “O moral e a inteligência são duas forças que só se equilibram com o passar do tempo."[3]

Desta forma, encontramo-nos em um estágio evolutivo singular: somos portadores de alguma consciência das Divinas Leis, mas ainda nos movemos sob o impulso de automatismos biológicos, paixões e demandas internas nutridas pelas nossas imperfeições morais, especialmente guiadas pelos sentimentos do orgulho e do egoísmo.

E, assim, transitamos cotidianamente entre sombra e luz, erros e acertos, imperfeições a serem superadas e virtudes em desenvolvimento até efetivarmos, um dia, a plenitude da qual temos sede interior. Portanto, em razão desta dialética entre o que somos e o que podemos ser, não é incomum confundirmos perfeição com perfeccionismo.

O médico e terapeuta Alírio de Cerqueira Filho, devotado estudioso da Psicologia Transpessoal, lembra-nos, que o perfeccionismo é uma das máscaras do Ego, utilizadas pelo indivíduo que, no processo de estruturação de sua psique, bloqueia ou reprime suas negatividades, seja em razão de provável aversão de outros indivíduos ou dele para consigo mesmo, ante o sentimento inferior que cultiva. Desse modo, “(...) o perfeccionista não aceita o erro. Culpa-se e pune-se por isso, quando é ele mesmo a errar, ou culpa e pune a outrem, quando a outra pessoa praticou um ato errado”.[4]

Segundo Joanna de Ângelis, o perfeccionismo

“(...) resulta do medo de ser superado, de ser colocado à margem, de não merecer elogio ou destaque, tornando-se essa incerteza um flagelo interior que nunca se sente compensado com a alegria do dever cumprido, nem dos objetivos alcançados”.[5]

E, assim, o perfeccionista sofre e faz sofrer porque aplica aos outros a mesma métrica carente de empatia e compreensão que faz cair pesadamente sobre si.

Em seus estudos sobre liderança nas organizações, a pesquisadora Brené Brown desenvolveu um conceito muito didático de perfeccionismo. Conforme ela,

“O perfeccionismo é um sistema de crenças autodestrutivo e viciante que alimenta o seguinte pensamento primitivo: se eu parecer perfeito e fizer tudo com perfeição, posso evitar ou minimizar os sentimentos dolorosos de culpa, julgamento e vergonha”.[6]

Vejamos que a autora retrata o perfeccionismo como um sistema de crenças, ou seja, ele diz respeito a um conjunto de expectativas, suposições ou ideias que representam uma forma de explicar a realidade de uma pessoa. O perfeccionista lê o mundo sob a lente da crença de que a aparente perfeição lhe trará felicidade e eliminará, de sua jornada, a dor causada em circunstâncias em que ele possa sentir culpa, vergonha ou tenha que lidar com o julgamento de terceiros.

É uma lógica enfermiça que consome o seu cultivador. Ao mesmo tempo que parece evitar as emoções destrutivas referidas acima, lhe imprime internamente a presença de um “juiz” que, com inclemência “coa mosquitos e engole camelos”, como na postura farisaica denunciada no discurso assertivo de Jesus. Vez por outra, esta voz deixa de ser interna e se propaga nas atitudes do sujeito com os outros que com o perfeccionista convivem, produzindo mal-estar e desejo de distância.

Perfeccionismo não tem nada a ver com busca de excelência, como já vimos, é uma tática autodefensiva muito sofrida que traduz a crença de que a pessoa tem o valor do que entrega aos outros, como se tivesse a obrigação constante de agradar e provar aos outros o seu valor através de uma autossuperação sem trégua. Pelo contrário, além de ser uma imperfeição da alma conectada ao orgulho, o perfeccionismo não conduz ao êxito e pode estar relacionado com transtornos contemporâneos como a depressão, a ansiedade, a procrastinação e, até mesmo, alguma autossabotagem que impede a fruição de pequenas alegrias oriundas das realizações positivas do cotidiano.

Há que se investigar na alma as suas causas e efeitos, através do autoconhecimento e da lúcida e qualificada psicoterapia, em favor da felicidade do indivíduo e de seu grupo social, a fim de que o ele se liberte do perfeccionismo e encontre, com bom senso, o caminho do aperfeiçoamento de si mesmo, aliás, finalidade da reencarnação.

Com a ideia de superação do perfeccionismo, tenhamos em mente a lição dos nobres guias da humanidade ao postularem que “(...) não há arrastamento irresistível, quando se tem a vontade de resistir. Lembrai-vos de que querer é poder”. E, sendo o foco do perfeccionismo o julgamento que os outros podem fazer de nós mesmos, mudemos a perspectiva e busquemos simplesmente o aperfeiçoamento contínuo, pela satisfação que este faculta ao Espírito imortal que somos.

Por fim, se quisermos nos concentrar no foco mais saudável da perfeição relativa que podemos almejar e deixarmos de “engolir camelos enquanto coamos mosquitos”, como referiu o Mestre, necessitamos trilhar outro caminho, o da caridade conosco mesmo e com os outros, aliás, “(...) a essência da perfeição é a caridade na sua mais ampla acepção, porque implica a prática de todas as outras virtudes”.[7]


Referências bibliográficas: [1] Vice-presidente de Unificação da Fergs. [2] O Novo Testamento. trad. Haroldo Dutra Dias. FEB. Edição do Kindle. [3] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. J. Herculano Pires. Paidéia. Edição do Kindle. Questão 780 - b. [4] CERQUEIRA FILHO, Alírio de. Psicoterapia à luz do Evangelho de Jesus. São Paulo: Editora Bezerra de Menezes, 2004, p. 56. [5] FRANCO, Divaldo. Elucidações psicológicas à luz do Espiritismo. Pelo Espírito Joanna de Ângelis, organizado por Geraldo Campetti e Paulo Pedrosa. Salvador: LEAL, 2017, p. 297-298. [6] BROWN, Brené. A coragem para liderar: trabalho duro, conversas difíceis, corações plenos. Carolina Leocadio. trad. Rio de Janeiro: BestSeller, 2019, p. 92. [7] KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. de Guillon Ribeiro da 3a ed. francesa rev., corrigida e modificada pelo autor em 1866. 124a ed. Rio de Janeiro: FEB, 2004. - cap. 17, it. 2.

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