Pandemia e perda de entes queridos
Vinícius Lima Lousada[1]
Jesus chorou. (Jo 11: 35)[2]
Vivemos tempos trágicos, horas de dores ampliadas pela pandemia que ainda se faz presente ceifando milhares de vidas corpóreas. Neste contexto de dores, lutos e recomeços é natural que pensemos um pouco mais em torno da morte e sejamos desafiados por dúvidas, inquietudes e temores, especialmente, se não nos acercamos ainda de uma perspectiva racional, esclarecida e baseada em fatos a respeito da situação da alma após a morte do corpo físico.
Antes de nos determos no tema da imortalidade da alma, nos cumpre o dever de pensarmos um pouco sobre a pandemia originada na ação do SARS-CoV-2, sétimo coronavírus conhecido por infectar humanos.
Uma pandemia como a que estamos vivendo - alguns estudiosos referem tratar-se de uma sindemia em razão da relação complexa entre aspectos decorrentes da desigualdade social, dos desafios econômicos e das carências sanitárias - cuja causa remonta ao modo com que gerimos, como civilização, o nosso desenvolvimento socioeconômico, sem o devido reconhecimento dos limites que a biodiversidade impõe à nossa espécie. Vivemos sob a orientação de um paradigma, o da modernidade, que “(...) ao instituir uma racionalidade antinatureza, fez-se base fundamental da crise ecológica, sem precedentes, que vivenciamos na atualidade, contribuindo na elaboração de uma história marcada por um sopro de destruição do ambiente pela via antropocêntrica da exploração dos recursos ecológicos e da produção social da pobreza.”[3]
Na medida em que invadimos habitats da vida selvagem desencadeamos novas zoonoses. Isto não é privilégio de país algum, ocorre que ainda não despertamos para uma ecoespiritualidade que problematize a ética utilitária com que lidamos com a Natureza desconhecendo seus direitos, nada obstante, pesquisas, alertas[4] e horizontes espirituais não nos faltem. Aliás, um interessante artigo científico da Revista Nature[5], no ano passado aponta a pandemia como um evento zoonótico - de doença que pode ser transmitida naturalmente de animais a humanos - cujas evidências não permitem admitir a hipótese de qualquer origem laboratorial.
Os números desta tragédia global, são avassaladores e estão a exigir de autoridades políticas, cientistas e cidadãos uma luta contra o tempo e esforços ingentes de cooperação internacional e local para conter o COVID-19 e salvar vidas. Portanto, pensemos em torno das perspectivas que temos sobre o fenômeno da morte e o que resta além dela.
No horizonte das crenças, ainda dois paradigmas se apresentam majoritariamente e, por sua vez, pouco trazem de contribuições para a compreensão do fenômeno da morte: de um lado temos a visão espiritualista tradicional, de outro, a materialista. Observemos, antes de nos determos em considerações sobre essas duas correntes gerais do pensamento sobre a vida após a morte, que a palavra paradigma, de origem grega, quer dizer padrão, consiste no modelo de concepção que temos da realidade, culturalmente construída, e que se define na visão orientadora de nosso modo de ser e estar no mundo.
De modo geral, podemos dizer que o paradigma espiritualista tradicional, expresso numa corrente sem-fim de escolas religiosas, apregoa a unicidade da existência, a criação da alma no momento do nascimento e que o seu estado psicológico após a morte do corpo, excluindo-se dogmas específicos, depende da retidão, da prática religiosa ou da graça divina.
Já, o materialismo, consiste em no
“Sistema dos que pensam que no homem tudo é matéria e que, assim, nele nada sobrevive à destruição do corpo. Parece inútil refutar esta opinião, que, aliás, é pessoal a certos indivíduos e em parte alguma se erige em doutrina. Se se pode demonstrar a existência da alma pelo raciocínio, as manifestações espíritas constituem a sua prova patente. Por elas nós assistimos, de certo modo, a todas as peripécias da vida de além-túmulo. O materialismo, que apenas se funda na negação, não resiste à evidência dos fatos. Por isso frequentemente a doutrina espírita triunfa sobre aqueles que haviam resistido a todos os argumentos. Sua vulgarização é o mais poderoso meio de extirpar essa chaga das sociedades civilizadas.”[6]
A consequência filosófica do primeiro sistema de ideias é uma representação da vida futura e da Justiça Divina, com base nas teologias tradicionais, que também conduzem ao desespero porque se crê que os nossos mortos sejam conduzidos para o Céu ou para o Inferno, sendo impossível rever-nos, senão, no “juízo final”, consoante conduta mais ou menos coerente com a religião abraçada. Sem mais contato, sem notícias sobre o seu estado e suas necessidades quando apartado do mundo físico. Convenhamos, é uma doutrina desesperadora! A crença na vida futura neste paradigma quase perde o seu sentido ante um Deus “indiferente” à saudade entre “mortos” e “vivos”. E, com o tempo, a dor da perda leva, certamente, à descrença. Talvez, a incerteza seja pior que o dogma, em momentos de dor profunda.
O paradigma materialista reduz a nossa jornada sobre a Terra como fruto de um acaso para o qual convergiram uma série de forças da matéria em sua autorganização que, por sua vez, caminharia fatalmente para a entropia, a morte, e, portanto, para a sua desorganização e fim do indivíduo. Quanto às suas consequências morais, tal concepção da vida pode levar ao desespero ante a perda de ente queridos, ao desgosto da vida e até ao suicídio, por relegar a sorte da alma na vida futura ao nada, considerando que a hipótese materialista profliga a consciência como um produto cerebral e cultural.
A Doutrina Espírita, lecionada pelos Espíritos Superiores a Allan Kardec, professa um outro ponto de vista sobre a morte e fundamenta a sua tese nos fatos fartamente demonstrados, ao longo da História da Humanidade, das relações entre os dois planos da vida. São os próprios Espíritos que disseram a Kardec e no-lo afirmam nas reuniões mediúnicas sérias, que continuam a viver no mundo espiritual, que conservam suas individualidades, afinidades, paixões e virtudes que apresentavam desde a última existência corporal.
A morte não transforma magicamente a ninguém e, segundo o Código Penal da Vida Futura, descrito pelos Imortais, “(...) O Espírito sofre, quer no mundo corpóreo, quer no espiritual, a consequência das suas imperfeições. (...)”[7] Da mesma forma, os genuínos laços de afeto permanecem na vida espiritual, eles nos reconectam, os domiciliados na carne e os que nos antecederam na grande viagem, assim como o ódio também aproxima e infelicita nos dois planos da vida.
O Espiritismo fornece a mancheias provas da imortalidade da alma, um de seus principais postulados e, entre inúmeros casos, gostaríamos de destacar um que se tornou muito famoso, documentado no livro Lealdade[8], organizado por Hércio M. C. Arantes, com mensagens do Espírito Maurício G. Henrique recebidas por Francisco Cândido Xavier.
As mensagens de Maurício inocentaram o amigo José Divino, ao final dos 70, da acusação de tê-lo assassinado, tendo em vista que o moço desencarnado trouxe aos autos do processo, pela gloriosa mediunidade de Chico Xavier, o atestado da imortalidade da alma e a realidade dos fatos acontecidos, consubstanciados num acidente infeliz com manejo de arma de fogo, na cidade de Goiânia. As mensagens chegaram à família através da busca de seus pais por notícias na Seara Espírita e no contato com a mediunidade a serviço de Jesus. Quanto júbilo decorrente da certeza da imortalidade da alma!
Casos, como o acima referido permitem-nos perceber que a morte de um ente querido é uma viagem de muitas voltas, mas não é o fim. Estudemos o Espiritismo e compreendamos a vida que pulsa no além túmulo. A vida… O amor… Eles prosseguem.
Referências: [1] Diretor da Área de Formação de Lideranças Espíritas da Federação Espírita do Rio Grande do Sul. [2] Haroldo Dutra Dias. Novo Testamento (Locais do Kindle 14887-14888). Edição do Kindle. [3] LOUSADA, Vinícius Lima. Racionalidade, modernidade e crise ambiental. In: Revista Eletrônica Mestrado de Educação Ambiental. E-ISSN 1517-1256, v. 31, n.1, p. 209-230, jan./jun. 2014, p. 209. [4] Em 2013, a ONU alertava que cerca de 70% de novas doenças que infectam seres humanos eram de origem animal. Acessível em: https://brasil.un.org/pt-br/64621-cerca-de-70-de-novas-doencas-que-infectam-seres-humanos-tem-origem-animal-alerta-onu. [5] Andersen, KG, Rambaut, A., Lipkin, WI et al. A origem proximal do SARS-CoV-2. Nat Med 26, 450–452 (2020). https://doi.org/10.1038/s41591-020-0820-9. [6] KARDEC, Allan. Vocabulário espírita. in: Instruções práticas sobre as manifestações espíritas. Kardecpedia. (Fonte: https://kardecpedia.com/pt/roteiro-de-estudos/890/instrucoes-praticas-sobre-as-manifestacoes-espiritas/1239/vocabulario-espirita/materialismo) [7] KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. trad. Evandro Noleto Bezerra (Locais do Kindle 10221-10222). FEB - Federação Espirita Brasileira / Edicei of America. Edição do Kindle. [8] XAVIER, Francisco Cândido. Lealdade. Pelo Espírito Maurício Garcez Henrique. Hércio Marcos Cintra Arantes. org. Araras: São Paulo: IDE, 1992.
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