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Pode um Espírito erguer uma mesa?




João Paulo Bittencourt Cardozo

 

“São os Espíritos solidificados que erguem uma mesa?” Eis uma das instigantes perguntas dirigidas por Allan Kardec ao Espírito São Luís no segundo dos artigos intitulados “Teoria das Manifestações Físicas”, que abrem as edições de maio e junho de 1858 da Revista Espírita (1). Os fenômenos mediúnicos de efeitos físicos, por certo, sempre foram o campo de estudo mais fascinante da Ciência Espírita e, nestes textos, o Codificador começa a desenvolver a teoria que explica esses fatos, que seria completada com a publicação de “O Livro dos Médiuns” no ano de 1861.

Se foi preciso desenvolver uma teoria das manifestações físicas, se foi preciso indagar como faz um Espírito para erguer uma mesa ou se tornar visível, é porque fatos assim ocorrem e são observados desde sempre. E a postura da pessoa racional nunca pode ser simplesmente negar o que, num primeiro momento, sua razão não pode explicar, mas sim ir a fundo na pesquisa, na observação e na reflexão, no mínimo na leitura, para, só então, chegar às suas conclusões. “Porque a verdade não admite condições nem se submete a caprichos, e quem a busca deve preparar-se de antemão a aceitá-la qual e como se apresente, com todo o seu cortejo de legítimas e naturais consequências”, reflexiona Manuel Gonzáles Soriano em seu clássico “O Espiritismo é a Filosofia” (2)

As chamadas manifestações físicas, decorrentes da mediunidade de efeitos físicos, podem ser divididas em duas espécies principais. De um lado, aquelas em que o ser espiritual consegue movimentar coisas no plano físico, aí se incluindo os ruídos e pancadas, as mesas e outros objetos erguidos do chão, o transporte de corpos sólidos, etc., e mais recentemente a transcomunicação instrumental. De outro lado, os impressionantes fenômenos da materialização, em que o médium de efeitos físicos fornece meios de o Espírito se tornar visível, audível e por vezes até mesmo tangível pelas pessoas, que desse modo os percebem por seus próprios sentidos corporais.

Contam-se às dezenas os livros e autores que tratam das pesquisas científicas acerca dos fenômenos produzidos pela mediunidade de efeitos físicos. Para trazer apenas um exemplo, a referência feita por Léon Denis em seu clássico “Depois da Morte” a dezessete sessões realizadas em Milão, na Itália, no ano de 1892, com experiências com a médium Eusápia Paladino, com a presença de oito cientistas de diferentes países, dentre eles os célebres Charles Richet, César Lombroso e Alexandre Aksakof, em que constatados diversos fenômenos como movimentos mecânicos e produção de pancadas e sons, transporte de objetos e aparições de partes de corpos. “Nas suas conclusões, os referidos experimentadores estabelecem que, devido às precauções tomadas, não era possível nenhuma fraude” (3).   

A própria Revista Espírita foi concebida por Allan Kardec para, dentre outros objetivos, dar explicação “(...) de todos os fenômenos patentes que testemunharmos ou que chegarem ao nosso conhecimento, quando nos parecerem merecer a atenção de nossos leitores” (4).      

Mas, afinal, se os fatos são assim tão numerosos (para quem lhes presta atenção), qual a explicação para eles? Pode um Espírito erguer uma mesa? Como faz para aparecer, ser ouvido, apresentar um corpo ou parte dele que pode ser tocado? As respostas são dadas pela teoria das manifestações físicas, que Allan Kardec desenvolve em seus artigos, sempre baseado na observação dos fatos, aprofundada posteriormente em “O Livro dos Médiuns”.

Teoria que parte da constatação de que os Espíritos não são desprovidos de matéria. Como Kardec registrou no primeiro artigo: “Interrogados sobre a questão de serem imateriais, assim responderam os Espíritos: ‘Imaterial não é bem o termo, porquanto o Espírito é alguma coisa, sem o que seria o nada. É, se quiserdes, matéria, mas de tal forma etérea que para vós e como se não existisse’. Assim, o Espírito não é, como alguns pensam, uma abstração; é um ser, mas cuja natureza íntima escapa totalmente aos nossos sentidos grosseiros” (Op. Cit.).

A explicação dos fenômenos físicos, portanto, relaciona-se com a própria constituição de cada um de nós, que somos, concomitantemente, um ser que tem consciência (alma) e que tem um corpo físico material que se destrói com o tempo (morte). Mas também tem uma parte, que, como explicado com precisão por Kardec, “(...) se libera e segue a alma que, dessa maneira, continua tendo sempre um envoltório; é o que chamamos ‘perispírito’. Essa matéria sutil, extraída por assim dizer de todas as partes do corpo ao qual estava ligada durante a vida, dele conserva a forma; eis por que os Espíritos se veem e por que nos aparecem tais quais eram quando vivos”. (Op. Cit.) É a nossa tripla constituição como espírito, perispírito e, durante a encarnação, corpo físico, tema aprofundado em “O Livro dos Espíritos” nas questões 93 a 95.

E o que seria, pois, a teoria das manifestações físicas? Por que mecanismo um médium consegue possibilitar que um Espírito movimente objetos ou mesmo apareça, se faça ouvir e tocar pelos chamados “vivos” (os encarnados)?

É o que Allan Kardec nos traz no segundo artigo, escudado na observação dos fatos (sempre), com a rica complementação das respostas do Espírito São Luís a questões que lhe foram apresentadas. É impossível reduzir a poucas linhas a dimensão dos dois textos, cuja leitura se recomenda. Mas, se pretendemos fazer um resumo, ele está nestas palavras do Codificador (Op. Cit.):

“Em algumas pessoas há uma espécie de emanação desse fluído, em consequência de sua organização, e é isso que constitui propriamente os médiuns de efeitos físicos. Emanando do corpo, esse fluído se combina, segundo leis que nos são desconhecidas, com o fluído que forma o envoltório semimaterial de um Espírito estranho. Disso resulta uma modificação, uma espécie de reação molecular que lhe altera momentaneamente as propriedades, a ponto de torná-lo visível e, em certos casos, tangível”. O que, destaca Kardec, também explica o movimento de corpos sólidos.

Resta perguntar: qual a importância desse estudo nos dias atuais? A pessoas que vivem correndo de um lado para o outro, perseguindo seus interesses mundanos, e cujo tempo de repouso não raro se esvai com os olhos presos a telas brilhantes de dispositivos eletrônicos? Por que manifestações espirituais físicas tão abundantes nos tempos analógicos interessam a indivíduos da era digital? Pode-se pensar em duas razões principais.

Primeiro, para rememorar a importância do estudo, e a existência desse inesgotável material, compilado e publicado em dezenas de livros, por tantos pesquisadores que dedicaram a vida à observação e à pesquisa desses fatos ligados à nossa própria imortalidade enquanto seres. Imortalidade que foi definitivamente provada. Kardec é o primeiro e, ao lado dos que citamos no texto, diversos autores como William Crookes, Camille Flammarion, Gabriel Delanne, Ernesto Bozzano, e, em terras brasileiras, Hernani Guimarães Andrade. Dentre tantos outros.  

E segundo, se a imortalidade existe e está provada, a inescapável consequência filosófica e moral disso: ninguém está na Terra a passeio. A existência terrena tem uma finalidade maior, e a busca dela deve ser algo com que todos nós precisamos nos ocupar todos os dias em que temos a benção de, mais uma vez, abrir os olhos pela manhã.    

               


Referências:

(1)   Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos: Ano primeiro – 1858/publicada sob a direção de Allan Kardec; [tradução de Evandro Noleto Bezerra; (poesias traduzidas por Inaldo Lacerda Lima)]. – 4. Ed. – Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2005, p. 191-199 e 235-240.

(2)    El Espiritismo es la Filosofia, por Manuel Gonzalez Soriano, Nueva Edicion, Barcelona, Casa Editorial Maucci, disponível em https://www.ebookespirita.org/Espanhol/El%20Espiritismo%20es%20la%20Filosof%C3%ADa%20(1881)%20-%20Manuel%20Gonz%C3%A1lez%20Soriano.pdf, acesso em 07/04/2024, p. 15, tradução livre. 

(3)    DENIS, Leon. Depois da Morte, disponível em https://www.oconsolador.com.br/linkfixo/bibliotecavirtual/diversosautores/depoisdamorte.pdf, acesso em 07/04/2024, p. 97-98.

(4)                       Op. Cit., p. 26.

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