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Sob as bênçãos de Deus! – Capítulo 1






Amigo leitor:

O benfeitor amigo, que conheço como Irmão Saulo, há mais de 40 anos, vem trazendo essa história real, cujos nomes, evidentemente, ele tem mantido em sigilo, bem como as fisionomias das pessoas, porque segundo ele eu possa vir a conhecê-las, ou tomar ciência de fatos a elas relacionados. Alguns textos são obtidos pela psicografia, outros são imagens que retornam à mente e são avivados pelo Espírito que coordena esse trabalho, após atendimentos feitos no período de desdobramento pelo sono físico.


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Os débitos contraídos por legiões de companheiros da humanidade, portadores de entendimento verde para os temas do amor, determinam a existência de milhões de uniões supostamente infelizes, nas quais a reparação de faltas passadas confere a numerosos ajustes sexuais, sejam eles ou não acobertados pelo beneplácito das leis humanas, o aspecto de ligações francamente expiatórias, com base no sofrimento purificador. De qualquer modo, é forçoso reconhecer que não existem no mundo conjugações afetivas, sejam elas quais forem, sem raízes nos princípios cármicos, nos quais as nossas responsabilidades são esposadas em comum.[1]


A grande casa à beira mar estava fulgurante, iluminada e preparada com esmero para a Ceia de Natal.

Os empregados, às dezenas, revezavam-se para atender a todas as extravagâncias de Leontina, a anfitriã, que estava mais intransigente do que o costumeiro, uma vez que os convidados estavam prestes a chegar e nada, mas nada mesmo, poderia dar errado, pois as aparências, naquela vivenda, eram o valor maior que a sua dona cultivava e procurava manter a quaisquer custos, para encantar os “amigos”. A Ceia de Natal daquela família era conhecida e tradicionalmente comentada durante todo o verão.

Diante do espelho de grandes dimensões, do seu closet, a mulher, que já ultrapassara o meio século de existência, contemplava o corpo escultural obtido à custa de sucessivas intervenções cirúrgicas. Conferia o traje primoroso de alta costura, as jóias desenhadas especialmente para ela, cada detalhe, e esboçou um sorriso forçado de satisfação superficial com a sua imagem. Naquele ano estava estranhamente nostálgica, vinha sentindo um nó na garganta, o peito oprimido que por vezes chegava a doer, mas como não era afeita a sentimentalismo, sua vida era regada a sensações, e nunca atentara para as questões mais profundas da emotividade. Tal estado de coisas a desconcertava e causava irritação por não compreender o que estava se passando.

Tudo estava impecável para o evento. Após a interrupção das festas, gerada pela pandemia, que a impedira de receber a multidão de convidados no ano anterior, o brilho da sua tradicional ceia estava restabelecido, porém, nem a alegria forçada, nem o entusiasmo superficial que sempre a nutriram nas edições anteriores ela conseguia sentir. Ao contrário, durante a semana que passara, o que mais visitara os seus pensamentos era a imagem de Emília, a sua fiel serviçal de longos anos, que lhe ocupava os pensamentos de forma insistente.

Emília cuidara do filho de Leontina desde o nascimento, e era daquelas criaturas que aos poucos se tornara uma quase governanta da casa, encarregava-se de tudo, dos empregados, das contratações e das compras, pois conhecia, nos mínimos detalhes, as rotinas e os caprichos da patroa. Também, tomava conta de sua mãezinha, viúva, para cuja manutenção carreava todos os recursos do seu modesto salário.

Quando chegou a pandemia com a adoção das necessárias medidas sanitárias de distanciamento e isolamento social, a diligente servidora conversou com Leontina sobre a necessidade de assistir à mãe e dispôs-se a dividir o tempo para continuar o trabalho na mansão, pois dele necessitava para custear a subsistência própria e de sua genitora.

- Emília, você vai ficar entrando e saindo da minha casa? Trazendo a contaminação desses lugares onde você transita e mora?

- Dona Leontina, eu preciso do trabalho, e como! Mas não posso abandonar minha mãe;

- Bem, Emília, sinto muito, mas você vai ter que escolher...

Emília escolheu. O sentimento de filha amorosa falou alto no seu coração. Tivera a esperança de que a patroa cedesse algum espaço não utilizado na mansão, e eram muitos, para que ela conseguisse alojar a sua mãe, mas isso não passou de uma ilusão. Imaginava que os longos anos de trabalho e dedicação pudessem ter plantado no coração daquela mulher um pouco de compaixão e até de gratidão por ela, mas as dores da alma ainda teriam um longo e doloroso caminho a esculpir na vida de Leontina para que tais sentimentos se edificassem na sua essência imortal.

Era um casarão antigo, herdado pelo Senhor Monteiro, esposo da patroa e tinha dependências fechadas, nos limites do grande terreno, que vez por outra eram ocupadas por um ou outro serviçal, mas nenhuma foi disponibilizada à Emília, nem mesmo o salário foi mantido. Quando acabaram os parcos recursos da rescisão do contrato de trabalho, ela foi buscando trabalhos eventuais - “bicos” – tão escassos na pandemia. Na associação da comunidade, onde vivia com sua mãe, auxiliava no preparo das refeições solidárias, até que, um dia, ela e depois a mãe contraíram o vírus e desencarnaram.

Leontina soube do fato muitos meses depois, quando os rigores do distanciamento social amainaram e a vida começou a tomar o seu curso, ela então se lembrou de Emília e foi procurar a antiga e leal governanta, pensando recontratá-la, pois, na verdade, não encontrara alguém que a substituísse, pois ninguém conseguia conviver com ela e suas grosserias. Ao receber a notícia da morte da ex-serviçal e de sua mãe voltava no carro para casa pensando:

- Essa gente não se cuida mesmo.

Foi o único pensamento que Emília mereceu da criatura que servira por tantos anos e de forma tão leal.

Mas Emília tinha carinho pela patroa, pois os muitos anos de convívio fizeram-na conhecer aquela alma atormentada e, embora Leontina não percebesse, conscientemente, era a confidente que acolhia as suas muitas mágoas, queixumes e com quem dividia os escassos e verdadeiros momentos de satisfação íntima.



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: [1] XAVIER, Francisco Cândido; Emmanuel (Espírito). Vida e sexo. FEB - Federação Espírita Brasileira. Edição do Kindle.

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