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Sob as bênçãos de Deus! – Capítulo 4



Claro está que as vítimas não foram arrebatadas para céus ou infernos teológicos. Se compenetradas, quanto às leis de amor e perdão que dissipam as algemas do ódio, promovem-se a trabalho digno na Espiritualidade, às vezes até mesmo em auxílio aos próprios algozes.[1]


Emília aproveitara bem mais as luzes do renascimento. Sentia pelos patrões, ora uma compaixão imensa por vê-los em processo de tamanho infortúnio no terreno dos sentimentos, ora um desejo sincero de que ambos pudessem fruir melhor daquela relação que já perdurava há tempos, sem que resultasse em felicidade para o casal. As muitas conversas com Leontina, os cuidados com o Senhor Monteiro, por vezes traziam-lhe a percepção de que, junto com sua mãe, eles eram a família que Deus lhe tinha permitido ter nessa vida.

Muitas vezes compartilhava essa impressão com a sua genitora, que era a única pessoa que podia compreendê-la, pois ambas tinham conhecimentos espíritas e sabiam como esses vínculos espirituais ocorrem entre as pessoas. Embora os rompantes de Leontina a magoassem, esse era um estado de espírito passageiro, que logo dava lugar à tolerância sempre justificada pela infelicidade que ela identificava na atormentada mulher.

Desperta no mundo espiritual retomou com mais nitidez as lembranças que envolviam o relacionamento com aquele clã. Eram ainda fugazes as cenas, cujo acesso seria liberado pouco a pouco para que a chance de reconciliação com os adversários se concretizasse.

A memória emocional de Emília, lembrando do abandono e da ingratidão da patroa, acionava reminiscências que reeditavam o abandono afetivo experimentado com a traição do Conde e de Margot no passado distante, que trazia os seus fantasmas que somente a vivência dos valores evangélicos poderia dissipar.

Esta é uma lição dourada para os corações humanos. Nossa capacidade de superar as mágoas e ressentimentos presentes, quase sempre é um elo que prende dramas e tragédias que se sucedem e que as nossas escolhas atuais podem ressarcir com um esforço único e direcionado para os cimos da vida.

- Você é uma ingrata Leontina. Mulher sem coração! Fútil! Vaidosa! Egoísta! Você vai morrer sozinha.

O descontrole de Emília-Espírito atingiu, em cheio, o centro de forças coronário de Leontina, impactando as regiões do sistema límbico, gerando uma intensa taquicardia e uma forte tontura, fazendo com que ela tentando erguer-se da espreguiçadeira, caísse desacordada sobre a borda da piscina, ferindo o rosto, com um corte profundo.

Emília não conseguiu, de imediato, associar a reação de Leontina à emissão do seu pensamento, tanto que habituada a servir em todas as ocasiões, correu para atender a mulher, dando-se conta de que a sua condição não permitiria. Saiu em desabalada corrida pela casa tentando alertar os serviçais para o ocorrido, mas não conseguia.

Passaram-se longos minutos, até que Leontina fosse encontrada e levada para o Hospital. A concussão cerebral fora muito séria e o atendimento tardio contribuíram para o agravamento do quadro.

O réveillon na mansão dos Monteiro à beira mar apresentava duas perspectivas bem diferentes: a paisagem física era tormentosa, angustiante e fria. Os criados revezavam-se junto com a organizadora contratada, para avisar os convidados; outros recebiam os que já estavam no local e sabendo do ocorrido acotovelavam-se para saber notícias, gerando um tumulto que exasperava os serviçais. Lamentavelmente, muitos daqueles que ali estavam para desempenhar suas funções na recepção da noite sentiam-se aliviados e até felizes, porque iriam para casa mais cedo, recolheriam as iguarias que abarrotavam mesas, despensas e levariam para seus lares. Em poucos corações era possível recolher um breve pesar pela situação de Leontina. O cenário espiritual era de outro matiz, pois os atendentes se revezavam junto aos que ali estavam, em especial junto ao Senhor Monteiro e seus cuidadores, que ficaram sem saber o quê fazer, uma vez que a casa restara sem o comando da sua dona. A governanta, recém contratada – mais uma-, não conseguia estabelecer uma orientação precisa, diante de tantas e urgentes providências a serem tomadas, Fora com Leontina para o Hospital e tão logo a informação do médico de que o caso era muito grave e demandaria internação na UTI ela retornou e nos apontamentos da patroa buscava algum contato de familiares, alguém que pudesse coordenar aquele caos. Era paradoxal ver alguém que deveria, naquele momento, estar rodeada de pessoas a se regalarem na festa oferecida, encontrar-se, em momento tão difícil e grave, absolutamente só, dependendo dos cuidados de uma quase estranha, pois Rosa Helena, a governanta iniciara o trabalho na casa durante os dias de preparação da festa.


Referência: [1] Xavier, Francisco Cândido; Emmanuel (Espírito). Vida e sexo. FEB - Federação Espírita Brasileira. Edição do Kindle.

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