Sob as bênçãos de Deus! - Capitulo 6
“Desde que o culpado clame por misericórdia, Deus o ouve e lhe concede a esperança. Mas não basta o simples pesar do mal causado; é necessária a reparação, pelo que o culpado se vê submetido a novas provas em que pode, sempre por sua livre vontade, praticar o bem, reparando o mal que haja feito. “O homem é, assim, constantemente, o árbitro de sua própria sorte; pertence-lhe abreviar ou prolongar indefinidamente o seu suplício; a sua felicidade ou a sua desgraça dependem da vontade que tenha de praticar o bem.” Tal a lei, lei imutável e em conformidade com a bondade e a Justiça de Deus. [1]
A permanência de Leontina no Hospital foi longa, e o acidente doméstico apenas levou ao diagnóstico do tumor que já estava a lhe afetar os tecidos nervosos.
Emília, em acompanhamento pela equipe de atendentes espirituais, desde o acidente provocado pelo assédio dos seus pensamentos sob Leontina, exercitava o equilíbrio das emoções para dar continuidade a sua trajetória evolutiva.
No posto de atendimento que a abrigava, na colônia espiritual, submetia-se à terapêutica de mergulho nas memórias mais afloradas e que ainda ditavam impulsos ingovernáveis, devido ao automatismo estabelecido pelas vivências repetidas, e que comandavam a área dos desejos, aspirações, imaginação e outras funções do Espírito. As ocasiões do “tratamento” eram repetidas, com acessos cada vez mais amplos e aprofundados às cenas ligadas à existência daquele ser na roupagem da Condessa de Saint Clement. Em benefício do ajuste das sensações ela observava os quadros que eram projetados dos seus arquivos sutis, experimentando a dor curadora da avaliação dos próprios atos, que mesmo distanciados no tempo – três séculos – provocavam dor, fruto do arrependimento que encaminha a individualidade para o resgate benfazejo. Muitas vezes, Emília precisava ser consolada pelos amorosos atendentes que se revezavam nos cuidados relativos a sua harmonização.
O irmão Deboni, especialista na reconstrução das áreas afetadas pelo exercício enfermo das energias sexuais, entretecia diálogos significativos em torno das motivações que levaram a Condessa à pratica do homicídio no passado. A contenção da afetividade pela indiferença do esposo negligente e adúltero, a humilhação pelas inúmeras traições, a cobiça do genitor que a lançou em um consórcio ditado pelos interesses financeiros e uma religiosidade de superfície estraçalharam-lhe as tessituras mentais e emocionais, colimando na agressividade extrema voltada contra Margot, a criatura que elegeu para suportar todo o cortejo de sentimentos que compuseram a avalanche de ódio descarregada.
- Como se sente a nossa tutelada, nesta manhã linda de brisas tão reconfortantes?
- Sofrida é a expressão mais condizente com o meu estado, amorável irmão Deboni.
- O bem sofrer é um medicamento eficaz, Emília, pois é uma escolha do Espírito quando reconhece que pode abreviar as suas dores e recuperar as forças para prosseguir. As dores advindas do arrependimento são educativas e regeneram a musculatura espiritual, tal qual a performance do atleta que investe na sua preparação para atingir a meta consagradora. Já o mal sofrer é uma descida aos abismos que se criam, distantes do caminho reto do cumprimento da lei divina. Tais quais os fogos fátuos há mal sofreres dissimulados de prazer, volúpia criminosa, sensualismo e outros brilhos fugazes que ao passarem pela vida de alguém reduzem-na a escombros calcinados.
- Começo a entender a razão que me fez explodir daquela forma, causando tanto mal à Leontina. Eu não queria isso.
- Não foi a sua explosão a causa do acidente, você apenas acelerou a erupção do vulcão íntimo que borbulhava naquela alma. Há dias ela vinha sentindo os efeitos da doença que foi se desenvolvendo na sua medula, originária das matrizes enfermas, decalcadas no organismo e estimuladas pelas ações presentes.
- O dano em sua maior extensão foi na sua economia evolutiva, pois a cicatrização nos tecidos superficiais que vinham se consolidando, na última encarnação como fatores protetivos da retificação dos sistemas de profundidade da alma se estraçalhou com o assomo de fúria que você teve. Isso reeditou as matrizes impressas nas moléculas do corpo sutil, com duplo efeito: um, positivo, pois testou as conquistas já consolidadas na sua individualidade, qual a da desenvoltura em reconhecer o erro, a naturalidade do pedido de perdão e a benevolência para com os seus algozes, após o ímpeto controlado; outro, desfavorável, pois que ainda em frágil edificação, que é o perdão espontâneo das ofensas, a compaixão e a tolerância para com as imperfeições alheias.
Emília estagiava na absorção dos princípios da verdadeira caridade, compreendendo nas prédicas do Irmão Deboni o verdadeiro sentido dessa palavra.
Os diálogos com Deboni tinham o condão de refrigerar-lhe a alma, pois ele sempre procurava descortinar em um ângulo menos tormentoso as suas desditas. As imperfeições, os “pecados”, analisados por ele tinham um tom de refrigério e de estimulo, nunca antes de punição.
O próprio tratamento acordado com ele traduzia a noção de igualdade que Emília sabia estar longe de ser real, mas dava ensejo à proximidade e confiança. Era simplesmente Deboni, sem outros qualificativos. Era um irmão pronto a acolher e consolar sempre, sem se furtar à orientação clara.
- Sabes, Deboni, que as nossas conversas parecem o fermento na massa.
- Explique mais sobre esse sentimento. - Ele sabia bem o que ela estava dizendo, mas a compreensão da paciente, sobre os processos de autocura era fundamental para o avanço no domínio sobre si mesma.
- A maneira como falas vai estimulando a minha vontade de ser e fazer diferente de tudo o que antes eu julgava correto. É como se algo fosse crescendo na minha intimidade, concedendo-me uma coragem para transformar os meus ímpetos menos sãos, renovar propósitos. Antes eram fugazes esses anseios, passavam logo e davam lugar à tristeza, ao remorso, mas a continuidade desses momentos de diálogo tem feito com que a duração se amplie e os períodos sombrios já se diluam mais facilmente.
- A mente é um poderoso amplificador de energias, minha irmã querida, aquilo que lhe entregamos ela pode multiplicar ao infinito, desde que o manejo da vontade se alinhe com as leis divinas. Da mesma forma, é vertiginosa e exponencial, quando viciada na produção de atos infelizes. Minha atividade é a de um condutor que sabe ler mapas e orientar-se pelas estrelas, nas noites escuras dos mares tenebrosos; no deserto pelo movimento das areias escaldantes e na floresta pelo farfalhar das folhas. Também para mim esse treinamento é um momento de testemunho do aprendizado que recebi. Cada vez que auxilio na tua disciplina, fortaleço a minha, gravando nas telas imortais do meu Ser as estrelas do Evangelho do Nosso Mestre Jesus, para sempre lembrar que perdemos o rumo por nossa própria incúria, quando ignoramos as rotas traçadas no mapa da consciência.
Deboni proferiu sentida prece, encerrando aquele momento. Enquanto orava, o ambiente se engalanava de luzes pequeninas, quais diminutas estelas a descerem do infinito, inundando o coração de Emília, que chamava à tela mental Leontina e Monteiro, rogando pelas duas almas que permaneciam na Terra cumprindo suas programações.
Deus, Soberana Inteligência e Amor!
Que tenhamos resistência para não ceder ao mal e praticar todo o bem que pudermos.
Seja o nosso coração a fonte de benefícios para todos os que choram, sofrem e erram nas sombras densas do mundo.
Derrama, Pai Misericordioso, as tuas bênçãos sobre todos.
Afaga-nos com a ideia da tua Justiça Incorruptível, porque repassada do Amor que soergue todos os trânsfugas do dever.
Semeador de criaturas a tua imagem e semelhança, fortalece-nos no ímpeto de plantar o bem e a paz.
Descerra-nos os olhos, para que livres da cegueira do egoísmo e do orgulho caminhemos na imortalidade, gravitando para ti.
Referência Bibliográfica: [1] Ribeiro, Guillon. O Evangelho segundo o Espiritismo. FEB - Federação Espírita Brasileira. Edição do Kindle. Cap. XXVII. “Pedi e Obtereis.”
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