Sob as bênçãos de Deus! - Capitulo 9 - Parte 2
Mendes ficou pensativo, com a caneta suspensa no ar e complementou:
- Venho percebendo que nossas avaliações terrenas são superficiais e, não raro, maculadas pelo interesse pessoal. Justificamos tudo para anestesiar a consciência e sempre temos um argumento concertado para rebater os reclamos íntimos que nos chegam diante das armadilhas do ego.
- Amável irmã, ainda me causa espanto verificar o nível de aproveitamento do Espírito, mesmo com o avanço rápido da enfermidade e do comprometimento do sistema nervoso central. Na minha vivência com a doença, recolhi muitas lições e aprendizados, especialmente durante os sonos induzidos pela medicação para atenuar as dores, mas não possuía nenhum comprometimento de ordem cerebral. Aqui, no caso, parece que o instrumento do Espírito- Monteiro está deveras impossibilitado de ofertar-lhe qualquer contribuição de agir no mundo, não é mesmo?
-Ah! Mendes! E o mundo íntimo que é o verdadeiro terreno do Reino? “O corpo não passa de simples vestimenta grosseira que temporariamente cobre o Espírito, verdadeiro grilhão que o prende à gleba terrena, do qual se sente ele feliz em libertar-se.” [1] Os órgãos quando vão se degenerando e a energia vital arrefecendo o vigor físico, abrem um espaço importante, rico para que o Espírito, ancorado no porto amigo da reencarnação, estagie em momento significativo no qual lhe é permitida uma avaliação criteriosa e profunda, que se for aceita por ele, confere-lhe avanços para as próximas experiências reencarnatórias. Já pensou, que bênção! Por essa razão alguns afirmam que é bom desencarnar de uma doença grave e longa. Na forma como isso é verbalizado, sem maiores esclarecimentos, parece uma ideia masoquista, um gostar de sofrer, mas em verdade é a percepção de que há um afrouxamento da pressão que a matéria exerce, concedendo à alma a visão de ambas as dimensões.
- Muitas vezes ouvi e repeti que o tempo é de Deus! Agora percebo a extensão, a profundidade e a elevação desse conceito, aduziu o repórter enquanto anotava suas observações.
- Sim, irmão do coração, o tempo é apenas a relação das coisas transitórias,[2] como afirmam os nossos amigos espirituais. Mas o tempo de que falas é a eternidade, que é una e permanente e essa revela a utilidade e o valor de cada momento. Nada se perde, nada é tardio no tempo de Deus – a eternidade.
- Emociona-me, irmã Alba, pois que penso, também, no quanto temos contribuído com as desigualdades sociais, as mazelas humanas ao descumprirmos com os compromissos assumidos antes de renascer e no emprego dos nossos talentos sejam eles de que natureza forem. Tenho avaliado o que fiz com os meus talentos e identifico que poderia e deveria ter feito mais e diferente. Esse aprendizado que tenho, novamente, recolhido, porque nessa escola eu já não sou primário, têm me trazido também arrependimentos e a benéfica dor da expiação.
- Pois bem, Mendes. Fiquemos sempre com as lições dos que nos amparam amorosamente.
Ardente e desvairada cobiça despertam nos vossos corações os bens que Deus vos confiou. Já pensastes, quando vos deixais apegar imoderadamente a uma riqueza perecível e passageira como vós mesmos, que um dia tereis de prestar contas ao Senhor daquilo que vos veio dele? Olvidais que, pela riqueza, vos revestistes do caráter sagrado de ministros da caridade na Terra, para serdes da aludida riqueza dispensadores inteligentes? Portanto, quando somente em vosso proveito usais do que se vos confiou, que sois, senão depositários infiéis? Que resulta desse esquecimento voluntário dos vossos deveres? A morte, inflexível, inexorável, rasga o véu sob que vos ocultáveis e vos força a prestar contas ao Amigo que vos favorecera e que nesse momento enverga diante de vós a toga de juiz.[3]
Soou no ambiente da colônia os sons de indescritível beleza do momento das prédicas vespertinas, a exemplo dos happy hour no mundo, com a substancial diferença que nesses momentos o nutriente para almas e o seu refazimento são lastreados em conversações saudáveis e na comunhão de sentimentos que se esforçam por educar-se.
Alba e Mendes, junto com os demais membros da equipe, encerrando as apreciações sobre o enfermo, que era restituído à ambiência do corpo em repouso na clínica, dirigiram-se para o espaçoso e belo jardim onde os grupos de servidores e as famílias vinculadas àquele local iam chegando e formando a atmosfera agradável que prenunciava mais um momento de oração e aprendizados para todos.
Referências:
[1] Ribeiro, Guillon. O Evangelho segundo o Espiritismo. FEB - Federação Espírita Brasileira. Edição do Kindle. Cap. XVIII. Item 51.
[2] Kardec, Allan. A Gênese (p. 104). FEB. Edição do Kindle. Cap. VI.
[3] Ribeiro, Guillon. O Evangelho segundo o Espiritismo. FEB - Federação Espírita Brasileira. Edição do Kindle.
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