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Técnica inclusiva de Leitura Fácil



Sonia Hoffmann


A técnica Easy Read, ou Leitura Fácil, é uma estratégia utilizada na escrita com o objetivo inclusivo de facilitar a compreensão do conteúdo textual e torná-lo acessível para toda aquela pessoa com dificuldade na captação e interpretação do conhecimento e da informação, favorecendo assim a interação com equidade. Habitualmente, está direcionada ao público com deficiência cognitiva, no espectro do autismo, deficiência auditiva/surdez, afasia, TDAH, dislexia, pessoas migrantes não dominantes da língua destino, adultos idosos vivenciando alterações próprias do envelhecimento, pessoas com analfabetismo funcional ou aquelas que tiveram poucas oportunidades de instrução/escolarização e estímulo para seu aperfeiçoamento didático/literário, sendo indicada igualmente para quem apresenta prejuízos temporários ou permanentes adaptativos (como funções sociais, emocionais e funcionais).

Este recurso pode ser aplicado para adaptação de textos informativos, expositivos e literários, diferenciando-se de algumas outras técnicas com a finalidade de apenas simplificar ou sintetizar a linguagem, porque possui um conjunto maior de diretrizes de adaptação que envolve tanto o texto quanto a ilustração e a diagramação, possibilitando a adaptação de textos literários no estilo de prosa. A Leitura Fácil também se ocupa com o uso adequado e inclusivo de imagens em seu texto, enriquecendo o material adaptado com diferente proposta de expressão.

A técnica surgiu na Suécia, em 1968, difundindo-se amplamente na Europa e, atualmente, abrangendo os demais continentes. O processo de adaptação textual vem sendo estudado no âmbito da tradução e da linguística aplicada, com a observação atenta do perfil e necessidades do leitor com relação às condições de complexidade ou não do texto.

Para a avaliação do quanto um texto é acessível, será preciso verificar se este é compreensível e legível para todos, verificando-se inclusive os fatores que venham influenciar a eficiência da leitura vinculados à percepção visual. Então, percebendo-se tais entraves, será importante preocupar-se com a adoção de contraste, campo de visão, tamanho da letra ou imagem, estilo e cor da fonte, entre outras diretrizes. Por esta razão, a construção de textos acessíveis com a aplicação da técnica da Leitura Fácil segue metodologia apropriada, com regras de ortografia, gramática, vocabulário, estilo, imagens, tipografia, composição, paginação e enquadramento do texto a serem observadas cuidadosamente.

Os fundamentos do texto de leitura fácil são a objetividade e a simplicidade. Porém, é preciso ter bastante cuidado porque um texto com esta perspectiva não significa apresentação reduzida e nem infantilizada. Sua organização é trabalhosa e complexa em diversos aspectos, pois a tradução de um texto em versão acessível implica várias etapas: extração dos fatos e ideias mais importantes do texto original; síntese das principais ideias; explicação das informações com o uso de exemplos do dia a dia ou próximas do cotidiano cultural; eliminação de conteúdos de pouco ou nenhum uso corrente, sem apresentação de todas as ideias em único conjunto; escolha das imagens norteada pelo princípio da linguagem visual, não sendo meras ilustrações do texto acessível, mas trazendo poder de apresentação visual do conteúdo que no texto comum pode ser verbalizado; diagramação do texto com adequação do tamanho e fonte da letra, número de páginas e na quantidade de texto por página, entre outros; processo de validação da estruturação do texto para avaliação do efetivo entendimento, clareza, revisão e necessidade de melhoramento do conteúdo por pessoas com dificuldades de leitura.


Algumas indicações, como modelo, para redação do texto, aplicando a técnica, são as seguintes:

  • obediência de todas as regras ortográficas e gramaticais vigentes no país;

  • separação e diferenciação de conteúdos com o signo ortográfico do ponto em lugar da vírgula;

  • uso de reticências deve ser evitado, entre outros signos de pontuação, porque sugere diferentes interpretações;

  • indicação de diálogos preferencialmente com a utilização do recurso dos balões de conversa (como nas histórias em quadrinhos);

  • recomendação da escrita de numerais para o registro de números ao invés de escrita por extenso. O uso de números ordinais e algarismos romanos deve ser evitado;

  • escrita completa de datas. Por exemplo: dia 31 de março de 2023 em lugar de 31/03/23;

  • registro de horários por extenso (exemplo: 21 horas e dez minutos e não 21h10);

  • uso de tempos e modos verbais como futuro do presente, futuro do pretérito, subjuntivo e pretérito mais que perfeito devem ser evitados;

  • adoção da forma composta para ideias no futuro (exemplo: Maria vai ler a mensagem em lugar de Maria lerá a mensagem);

  • preferência do uso da voz ativa em lugar da voz passiva (exemplo: Deus ama os animais em vez de os animais são amados por Deus);

  • uso prioritário da forma direta em lugar da forma indireta (exemplo: Jesus nasceu na cidade de Belém em lugar de Na cidade de Belém, nasceu Jesus);

  • substituição do sujeito por qualquer tipo de pronome deve ser evitado. É preferível repetir o sujeito (exemplo: Jesus curou o cego. Jesus fazia o bem. Em lugar de: Jesus curou o cego. Ele fazia o bem);

  • uso de orações impessoais devem ser evitadas;

  • prioridade ao uso da estrutura simples de oração;

  • preferência do uso de formas afirmativas e evitar formas negativas ou de sentidos ambíguos;

  • preferência do uso de palavras mais curtas, com o menor número de sílabas e com as sílabas menos complexas;

  • uso prioritário de vocábulos de uso cotidiano e próximos da linguagem falada (exemplo: A melhoração é agir com caridade e amor em vez de A melhor maneira de obrar é interagir caritativa e amorosamente);

  • utilização de palavras grandes e de difícil pronúncia deve ser evitada (exemplo: Sua visão estava muito escura em substituição a Sua visão estava intensamente obnubilada);

  • preferência na utilização de palavras com sentido preciso (exemplo: O homem fugiu correndo em lugar de O homem teve uma fuga disparada);

  • aplicação de palavras genéricas e de significado vazio deve ser evitada (exemplo: O céu nublado anunciava muita chuva para breve O céu, que estava nublado, pressagiava para logo e em breves minutos uma chuva copiosa, porém rápida e passageira);

  • repetição preferencialmente do mesmo nome do que utilizar diferentes palavras para se referir a mesma coisa. Assim, o uso de sinônimos com frequência deve ser evitado;

  • contextualização, apoio de imagens e explicação do significado, quando for necessário usar palavras menos comuns e mais complexas;

  • utilização de abreviaturas e siglas precisa ser evitado; As abreviaturas e siglas muito utilizadas devem ter seu significado esclarecido na primeira vez que aparecem;

  • emprego da linguagem figurada, metáforas e provérbios exigem interpretação, então o uso deve ser rejeitado ou, então, exposto de maneira bastante clara;

  • adoção de conceitos abstratos devem ser acompanhados por ilustrações com exemplos práticos do dia a dia para esclarecimento da ideia;

  • substituição da percentagem para expressão de provável ou proporção. Mais indicado é o uso de "muito" ou "pouco";

  • motivação da leitura com uso do estilo da conversação;

  • registro com clareza e objetividade das ideias principais do texto;

  • limitação da quantidade de texto e de ideias em cada folha ou página;

  • necessário ser conciso e expressar uma ideia por frase;

  • utilização de linguagem coerente com a idade e repertório cultural do leitor;

  • oferta de informação relevante e significativa;

  • distribuição gráfica com uso de papel de gramatura maior para evitar transparências e permitir melhor manejo para passagem ou troca das páginas;

  • apresentação do texto de forma atrativa;

  • utilização de no máximo quinze páginas para o texto;

  • indicação, no texto, de quem pode auxiliar o leitor em suas dúvidas quanto ao material disponibilizado;

  • escolha ou seleção de uma única fonte de letra;

  • adoção do tamanho da letra deve ser grande, habitualmente a letra com 16 pontos;

  • utilização de fonte clara, como Arial, Calibri, Tahoma e Verdana;

  • aplicação de fontes que simulem uma letra manuscrita deve ser evitada;

  • inutilização de efeitos tipográficos como adornos, diversas cores e sombras;

  • uso racional e sem exageros de negritos e sublinhados para destacar palavras;

  • aplicação do contraste com preferência do fundo branco e letra preta (auxilia também as pessoas com baixa visão).


Recomendações para a composição textual são:

  • utilização de apenas uma oração em cada linha;

  • pontuação das frases deve respeitar o discurso falado;

  • escrita integral da palavra e sem partição dela com aplicação dos hifens (especialmente de uma linha para outra);

  • escrita integral de uma frase na mesma página, sem partir em páginas diferentes;

  • limitação do número de linhas utilizadas por página;

  • oferta de muitos espaços em branco na página do texto para chamar a atenção e para a demonstração de outras indicações;

  • uso de amplas margens e amplos espaços entre os parágrafos do texto, além de amplos espaços entre as linhas do texto.


A técnica de Leitura Fácil traz diretrizes também para o uso de imagens. Assim, o organizador precisa prestar atenção quanto:

  • utilização necessariamente de imagens de apoio ao texto;

  • seleção da melhor imagem para transmissão eficiente da ideia do texto;

  • aplicação de imagens com entendimento e reconhecimento fáceis;

  • escolha de imagem útil e não necessariamente ou exclusivamente bonita;

  • utilização sempre de imagens coloridas, com poucos detalhes, nítidas, grandes e em alta resolução;

  • manutenção do mesmo estilo de imagens em todo o texto;

  • uso de tabelas técnicas, gráficos e diagramas deve ser evitado, fazendo a substituição por texto;

  • registro de títulos para as imagens utilizadas;

  • descarte do uso de imagens como fundo do texto porque elas dificultam a leitura;

  • colocação das imagens com preferência antes do texto, antecipando ou incentivando a continuidade da leitura;

  • indicação com clareza sobre a que parte do texto pertence cada uma das imagens (com setas, por exemplo);

  • agregação às imagens, em algumas situações, de indicativos como balões de fala, setas para chamar atenção de algum ponto da imagem, marcar a imagem com um X "para mostrar o que não pode" ou com polegar para cima ou rosto feliz para mostrar o que pode ou é aceito, bom e favorável.

Embora a adoção da Leitura Fácil pareça ser bastante minuciosa, é preciso considerar os significativos e amplos benefícios inclusivos que oferece para o leitor que dela necessita. Portanto, além de inclusiva, esta técnica é fraterna e solidária, confirmando os preceitos cristãos e espíritas.


Referências:

DIRECTRICES para materiales de lectura fácil. Madrid: Creaccesible, 2012.IFLA Professional Report, 120. Disponível em: https://www.ifla.org/files/assets/hq/publications/professional-report/120-es.pdf. Acesso em:27 jul. 2023.

MUÑOZ, Óscar Garcia. Lectura fácil: métodos de redacción y evaluación. Madrid: Real Patronato sobre Discapacidad, 2012. Disponível em: https://www.plenainclusion.org/sites/default/files/lectura-facil-metodos.pdf. Acesso em: 27 jul. 2023.

PIRES, V.O.D.; CARDOZO, J.V. Adaptação de textos literários para pessoas com deficiência intelectual. In: Anais INOVTEC 2019. Sapucaia do Sul: IFSul, 2019.

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