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Um dia para não esquecer: o Auto-de-fé de Barcelona



Vinícius Lima Lousada[1]

Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 09 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, não de luto, porque é a garantia de vosso triunfo![2]

Surpreendeu a Allan Kardec não somente o fato infeliz da queima de mais de trezentas obras espíritas (entre livros e brochuras) em praça pública, em Barcelona, sob a ordem de seu Bispo em pleno pós-revolução industrial, sob os ecos do iluminismo e revolução científica dos séculos anteriores, naquela fogueira medievalista.

O nobre educador da Era Nova destaca em a Revista Espírita o seu estranhamento em relação à imprensa, citando textualmente o periódico Siècle que não considerou o fato do ponto de vista que mereceria: fosse como questão de direito internacional, fosse de arbitrariedade jurisdicional da Igreja e flagrante desrespeito à propriedade de quem pedira a remessa das obras naquela operação comercial, no caso, Maurice Lachatrê, livreiro e editor.

Tal periódico jamais se furtou a fazer crítica às mesas girantes e ao Espiritismo, mas neste momento não se escandalizava com o fato que atentava contra o ideário francês sintetizado na tríade “liberdade, igualdade e fraternidade”, pelo contrário, utilizara-se de sarcasmo ante o ocorrido.

O bispo católico, jamais referido nominalmente por Kardec em a Revista, mandatário da queima de obras espíritas foi Antonio Palau y Termens, conforme anota Florentino Barrera em seu livro El auto de fe de Barcelona[3] e, após a morte, o sacerdote se comunicara na Sociedade Espírita de Paris de forma espontânea, como registra o mestre em A Revista Espírita de agosto de 1862, na seção de necrologia.

Naquela comunicação o Espírito se descreve como um ex-bispo e, naquele momento, um penitente, quer dizer, alguém arrependido de seus erros. Informara também que: “O homem que voluntariamente vive cego e surdo de espírito, como outros o são do corpo, sofrerá, expiará e renascerá para recomeçar o labor intelectual, que a sua preguiça e o seu orgulho levaram a evitar;(...).”[4] Já na vida espiritual começara a sua expiação e vinha demonstrar a sua mudança de perspectiva.

É digno de nota o tratamento respeitoso que Kardec deu ao relato do Espírito. O mestre agiu como verdadeiro espírita e recomendou em seu comentário: “Espíritas, perdoemos-lhe o mal que nos quis fazer, como quereríamos que as nossas ofensas nos fossem perdoadas e oremos por ele no aniversário do auto-de-fé de 9 de outubro de 1861.”[5] Façamos isso, que ele receba, assim como todos os detratores da Doutrina Espírita o nosso perdão, o amparo dos Bons Espíritos e o auxílio da misericórdia de Deus.

Entre as obras destruídas estavam exemplares das obras fundamentais do Espiritismo e de outras mediúnicas ou não, sobre o Espiritismo. No artigo da Revista de 1861, Kardec descreve os títulos das obras queimadas por ordem do bispo, auxiliado por funcionários da alfândega, o escrivão e seu auxiliar e cercado de uma multidão. Numerosos assistentes protestaram ao fim do auto.

Espíritas, irmãos, não esquecemos deste dia para que não ignoremos os testemunhos espíritas da primeira hora, vividos por Allan Kardec, e não deixemos de nos inspirarmos em sua vida e obra, chave de entendimento espiritual da ética proposta por Jesus e da Lei Natural, no seu conjunto, para o nosso estágio evolutivo.

Não guardemos qualquer rancor e trabalhemos as nascentes de nosso coração para nunca figurarmos em posições extremistas e intolerantes. Dialoguemos com todos e defendamos a Doutrina Espírita no campo das ideias, sem fazer acepção de pessoas, grupos ou instituições.

Com reverência, recordemos o pensamento de Allan Kardec: “(...) Podem queimar-se livros, mas não se queimam idéias; as chamas das fogueiras as superexcitam, em vez de abafar.(...)”[6]


Referências:


[1] Educador, diretor da Área de Formação de Lideranças Espíritas - FERGS. [2] KARDEC, Allan. Resquícios da Idade Média: auto de fé das obras espíritas em Barcelona. In: Revista espírita: jornal de estudos psicológicos. ano IV. trad. Evandro N. Bezerra. 3.ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2006, p. 469. [3] BARRERA, Florentino. El auto de Barcelona. 3. ed. Buenos Aires: Ediciones Vida Infinita, 2008. Acessível em: https://espiritismo.es/Descargas/libros/AutodeFe.pdf. Acessado em: 09/10/2020. [4] KARDEC, Allan. Necrologia - morte do Bispo de Barcelona. in: Revista Espírita: Jornal de estudos psicológicos. Ano quinto - 1862. trad. Evandro N. Bezerra. 2. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2004, p. 321 [5] Idem, p. 322. [6] KARDEC, Allan. Resquícios da Idade Média: auto de fé das obras espíritas em Barcelona. In: Revista espírita: jornal de estudos psicológicos. ano quarto - 1861. trad. Evandro N. Bezerra. 3.ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2006, p. 468.

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